terça-feira, 30 de abril de 2019

Caridade de Verdade

Com a frase "Umbanda é a manifestação do espírito para a prática da Caridade", o Caboclo das Sete Encruzilhadas anunciou a Umbanda em 1908. Sempre que converso com outros umbandistas, percebo que existe um consenso entre todos de que praticar a caridade é fundamental para ser um praticante de nossa amada religião.

O que eu sempre me questiono (e que meu Pai Oxossi nunca tire isso de mim) é como definir o que é caridade e, principalmente, como se praticar esta tal caridade que tanto falamos. Será que entregar presente numa comunidade carente no Dia das Crianças, por exemplo, basta? Sou caridoso quando levo prato de sopa para os moradores de rua, e isso me basta? O que me define como alguém caridoso?

O primeiro conceito de caridade é um ato pelo qual beneficiamos o próximo, sem esperar nada em troca, para nos conduzirmos a Deus. Caridade, portanto, é uma virtude teologal em seu nascedouro. Logicamente eu concordo em partes com este conceito, porque não creio que praticar a caridade seja necessariamente algo que tenha um objetivo religioso, senão colocaríamos contra a parede e renegaríamos as práticas caridosas de ateus, o que em estudos passados vimos que em muitas vezes se entregam em ajudas ao próximo.

Entendo, portanto, que a caridade não seja algo religioso, mas que tem referência direta a promoção da elevação moral do individuo, ou seja, sua reforma íntima, que nada mais é do que um posicionamento que devemos ter de nos tornarmos pessoas melhores baseado em nossas atitudes diárias, de forma constante. Acho interessante frisar o "de forma constante", porque entraremos no cerne do que imagino que deva nortear o que define alguém caridoso. 

É claro que existem momentos que conseguimos mobilizar mais a sociedade para realizarmos ações de maior escala, como entrega de ovo de Páscoa, presentes no Natal e Dia das Crianças, e coisas do gênero (essas ações devem continuar sempre), mas do que adianta escolhermos a dedo quem ajudar e quando ajudar? Será que alguém que maldiz o próximo ou que se nega a estender a mão no dia-a-dia tem condição de se dizer alguém caridoso porque duas ou três vezes ao ano vai para uma Comunidade entregar presentes e afins? Será que esses dias pontuais são mais importantes que suas atitudes diárias?

Vejamos um exemplo prático: eu tenho a possibilidade de vivenciar experiências diárias com diversas pessoas, tanto a nível profissional, quanto pessoal e religioso. Dificilmente alguma dessas pessoas fala "eu não sou caridoso"; muito pelo contrário. Existe uma constante necessidade de bater no peito e dizer "eu faço caridade" ou "temos que ter gratidão" (que é um termo que invariavelmente se refere à caridade). Há não muito tempo aconteceu algo comigo que reflete de forma clara esta situação. Uma pessoa que eu respeito muito (muito mesmo, ao ponto de não citar seu nome nesse texto) e é umbandista, passou uma semana inteira falando sobre praticar a caridade, dizendo que todos temos a obrigação de nos doarmos em ações sociais por sermos umbandistas. O discurso era muito bonito e impactante e deveria ser, sim, seguido por todos, mas infelizmente ficava nisso mesmo: um discurso. No dia seguinte ao discurso mais inflamado de todos, eu precisei da ajuda dessa pessoa. Pedi textualmente que ela me ajudasse e tinha a certeza absoluta que seria atendido. Eu não precisava de dinheiro ou de algo parecido; eu precisava de conselho, precisava de colo. Algo simples e que pode ajudar muito outra pessoa, mas que me foi negado justamente por quem brada contra quem não ajuda ao próximo. Vejam a incoerência do discurso de quem se diz caridoso em contraponto às suas atitudes práticas.

O caso acima é um entre tantos outros exemplos que vivencio diariamente e de inúmeros outros casos de pessoas que compartilham suas experiências comigo. Existe um abismo colossal entre aquilo que se prega com aquilo que se faz. O umbandista que nega colo a outra pessoa, seja ela quem for, não é caridoso quando se embrenha numa favela pra tirar foto com os mais necessitados. Isso não é caridade, isso é hipocrisia.

Esta hipocrisia, no entanto, não é exclusividade de um ou de outro. Infelizmente a regra prática que norteia nossa sociedade é a falsidade. Sei que isso é algo pesado para se dizer, mas façamos uma reflexão. Quantas vezes não dizemos que é errado falar mal de outra pessoa, mas no momento seguinte estamos fazendo exatamente isso? Aliás, quantas vezes não falamos "olha só como tal pessoa é, fica falando de fulano pelas costas e não tem coragem de falar na frente", mas fazemos isso justamente falando mal de quem fala mal. Vejam a incoerência; a falsidade. As famosas indiretas nas redes sociais (e eu mesmo faço isso direto) são as provas que não apenas vivemos em um mundo de falsidade, mas esse mundo só é falso porque NÓS SOMOS FALSOS. A pessoa verdadeiramente caridosa perdoa, não apenas no discurso, mas nas atitudes. A pessoa caridosa não guarda mágoas para o resto da vida. A pessoa caridosa não acredita que sua versão dos fatos é a verdade absoluta. A pessoa caridosa ama ao próximo, seja ele quem for e o que tenha feito. Aliás, ISSO é o que define a verdadeira Caridade dentro da Umbanda: fazer o bem ao próximo, SEJA ELE QUEM FOR, e sem esperar nada em troca.

É claro que nem sempre conseguiremos ser caridosos, afinal de contas estamos buscando nossa evolução, e os erros fazem parte do processo, mas sabendo disso, que precisamos evoluir sempre, temos a OBRIGAÇÃO te sermos melhores a cada dia. O umbandista não tem o direito de negar ajuda a quem quer que seja. O umbandista não pode se vangloriar de quando ajuda esta ou aquela pessoa. O umbandista não deve jugar o próximo, pois quando o faz está no mesmo nível que ele acha que o outro está (e eu quero deixar bastante caro que esse é um dos meus maiores defeitos). O umbandista não deve mostrar que faz algo para o próximo... o umbandista deve FAZER algo pelo próximo.

Se você leu este artigo e se sentiu atingido de alguma forma, então existe uma faísca de reflexão que deve ser assoprada todos os dias para que esta indignação se torne algo concreto em sua evolução. Não há vergonha em assumir seu erro, muito pelo contrário. A vergonha deve existir quando distorcemos o conceito base de nossa religião para nosso proveito, ou pelo nosso bel prazer. 

Sejamos caridosos de verdade. Escutemos nossos irmãos e filhos. Se todo mundo segurar nas mãos um do outro, então teremos algo para comemorar. Enquanto isso não acontece, a decepção prevalece.

Axé, irmãos.

sexta-feira, 5 de abril de 2019

Morte Causadas por Policiais - Visão Umbandista


Olá povo do Axé. Peço desculpas pela ausência, mas estava bastante enrolado com trabalho e também na elaboração do Curso Sabedoria de Umbanda, que estamos realizando todas as quartas em Jacareí. 

Ontem fui questionado por uma assistida (e também aluna do Curso) sobre o que acontece com alguém que, no exercício de sua função, acaba matando outra pessoa. Ela se baseou na triste notícia de que aqui perto, em Guararema, 11 assaltantes foram mortos após tentativa de roubo a 2 bancos. 

Primeiramente precisamos entender que quando se tratar de Lei Espiritual (ou a Lei do karma), devemos esquecer as leis dos homens. Se a lei dos homens fosse a correta, existiria uma única para todos os países. Como não é assim (aliás, é bem o contrário), então para nossa evolução espiritual e nossa caminhada em paralelo com o que a Espiritualidade espera de nós, vale mais a Moral do que qualquer coisa.

Tudo aquilo que fazemos, seja bom ou ruim, gera uma consequência, a qual encontraremos de uma forma ou outra, cedo ou tarde. Quem tem atitudes boas, colherá bons frutos. Quem anda errado, colherá maus frutos. Parece cartesiano demais, porém é exatamente desta forma que funciona. Existem profissões que de uma forma natural, pelo seu objetivo e forma de atuação, coloca a pessoa em situações de provação muito maior que outras. O advogado possui ferramentas jurídicas e meios de eventualmente ludibriar um juiz, utilizando subterfúgios variados para tal, visando a soltura de alguém que cometeu um crime grave, por exemplo. Ele possui esta possibilidade, mas se faz ou não faz uso dela é o que define sua caminhada moral e ética perante a Espiritualidade.

Os policiais, no entanto, fazem parte de um grupo de pessoas que sofre todo o tipo de tentação o tempo inteiro. Infelizmente no Brasil o policial não é valorizado como deveria, então seu salário é muito baixo para o risco que corre. Sendo "agentes da lei", possuem acesso mais fácil a todo o tipo de pessoa, e quando falham com seu caráter, acabam se corrompendo. Quem aqui nunca leu pelo menos uma matéria falando sobre policiais corruptos? Mas quero aproveitar e deixar bastante claro que são EXCEÇÕES... a avassaladora maioria dos policiais são de bem e não se corrompem de forma alguma. 

O que não pode ser evitado, no entanto, são os confrontos entre policiais e bandidos. Poderia, sim, ser evitado se nosso Estado se importasse mais com as condições da sociedade e não empurrassem as pessoas para o crime, mas como estamos muito longe disso, o fato é que o policial que está nas ruas pode a qualquer dia se ver diante de algum confronto que precise utilizar suas armas para se defender ou defender terceiros. E é aí que está o grande problema que precisamos ponderar.

Este caso de Guararema em específico se trata de uma emboscada que a PM realizou. Segundo o alto comando da corporação, a quadrilha estava sendo monitorada há mais de 4 meses, portanto existia uma certeza: o roubo aconteceria. Sendo assim, precisamos analisar quais as opções que os policiais tinham para cumprir sua obrigação. Não sou especialista em Segurança Pública ou algo do tipo, mas com 41 anos bem vividos, consigo dizer que quando há uma investigação para que um crime seja impedido e, além de não ser impedido (a quadrilha entou na agência bancária), ainda vemos a morte de 11 pessoas, algo aconteceu de errado. 

Certa vez, Pai Tonico (Preto Velho que tenho a honra de conhecer há algum tempo) disse que todo mundo que atenta contra a sua vida ou a de terceiros, seja por qual motivo for, vai se acertar com a Espiritualidade, porque ninguém tem o direito de interromper uma criação Divina, e a vida das pessoas é a Sua maior criação. Vale lembrar que aquele traficante que vende uma droga pesada, sabendo que poderá causar a morte de alguém, por inúmeras consequências do abuso das drogas, também incorre contra a vida de outras pessoas, portanto é sabido que pagará por seus atos.

Voltando ao caso de Guararema, percebemos que existiam pelo menos duas possibilidades para amenizar o ocorrido:

Investigar e prender
Cercar os bandidos e rendê-los, que seria a solução mais plausível, já que eram 25 policiais contra 11 assaltantes. 

Fazendo a coisa certa, o karma de cada um dos 25 policiais ficaria preservado (pelo menos por esta ação) e, presos, os bandidos poderiam rever suas ações até então. É claro que não sou ignorante nem inocente ao ponto de achar que todo bandido é curado na prisão, muitíssimo pelo contrário, mas a oportunidade seria dada. 

Em conversa há muito tempo com Exu que trabalha na linha de Capa Preta, me foi dito que quando alguém é assassinado, especialmente se era pessoa encarnada de moral duvidosa (que é o caso desses assaltantes), existe uma grande possibilidade dele se tornar um espírito obsessor com o foco único e exclusivo de atormentar aqueles responsáveis pelo seu desencarne, tentando fazer com que aquela pessoa se mate. E o pior é que muitas vezes eles conseguem: a segunda profissão com maior número de suicídios é justamente a de policial. Além do stress natural da profissão, imaginem a situação de um policial que é atormentado constantemente pelos espíritos de quem matou (seja por qual for o motivo). É uma situação gravíssima e gera um ciclo cármico muito pesado. Vejamos:

O policial tira a vida de outra, portanto impede a "Evolução" dela.
O espírito, desequilibrado e raivoso, não consegue encontrar sua luz enquanto não ver a morte do policial.
O policial entra em depressão profunda e tira sua própria vida.
Desencarnado como suicida, vai pagar pelo tempo que ainda teria que viver, sofrendo na alma todos os males de um suicida.

Devemos, portanto, sempre evitar atentar contra a vida de quem quer que seja, e por qual for o motivo. Não compensa pelo fardo que carregaremos aqui deste lado e do lado de lá também. Claro que, no caso de policiais, muitas vezes existirá a única opção da utilização de arma de fogo, mas isso deve ser o último recurso. 

Quero deixar no final uma frase dita pelo governador de estado de São paulo, João Dória, sobre este caso: "estão de parabéns os policiais que agiram e colocaram no cemitério mais dez bandidos". Quando um chefe de Estado comemora a morte de alguém (seja lá quem for), quer dizer que há algo de muito errado na sociedade, portanto devemos estar ainda mais firmes em nosso propósito da Paz e da Caridade. Não sejamos influenciados pelos que propagam o ódio.

Sejamos melhores.

Axé!