Com a frase "Umbanda é a manifestação do espírito para a prática da Caridade", o Caboclo das Sete Encruzilhadas anunciou a Umbanda em 1908. Sempre que converso com outros umbandistas, percebo que existe um consenso entre todos de que praticar a caridade é fundamental para ser um praticante de nossa amada religião.
O que eu sempre me questiono (e que meu Pai Oxossi nunca tire isso de mim) é como definir o que é caridade e, principalmente, como se praticar esta tal caridade que tanto falamos. Será que entregar presente numa comunidade carente no Dia das Crianças, por exemplo, basta? Sou caridoso quando levo prato de sopa para os moradores de rua, e isso me basta? O que me define como alguém caridoso?
O primeiro conceito de caridade é um ato pelo qual beneficiamos o próximo, sem esperar nada em troca, para nos conduzirmos a Deus. Caridade, portanto, é uma virtude teologal em seu nascedouro. Logicamente eu concordo em partes com este conceito, porque não creio que praticar a caridade seja necessariamente algo que tenha um objetivo religioso, senão colocaríamos contra a parede e renegaríamos as práticas caridosas de ateus, o que em estudos passados vimos que em muitas vezes se entregam em ajudas ao próximo.
Entendo, portanto, que a caridade não seja algo religioso, mas que tem referência direta a promoção da elevação moral do individuo, ou seja, sua reforma íntima, que nada mais é do que um posicionamento que devemos ter de nos tornarmos pessoas melhores baseado em nossas atitudes diárias, de forma constante. Acho interessante frisar o "de forma constante", porque entraremos no cerne do que imagino que deva nortear o que define alguém caridoso.
É claro que existem momentos que conseguimos mobilizar mais a sociedade para realizarmos ações de maior escala, como entrega de ovo de Páscoa, presentes no Natal e Dia das Crianças, e coisas do gênero (essas ações devem continuar sempre), mas do que adianta escolhermos a dedo quem ajudar e quando ajudar? Será que alguém que maldiz o próximo ou que se nega a estender a mão no dia-a-dia tem condição de se dizer alguém caridoso porque duas ou três vezes ao ano vai para uma Comunidade entregar presentes e afins? Será que esses dias pontuais são mais importantes que suas atitudes diárias?
Vejamos um exemplo prático: eu tenho a possibilidade de vivenciar experiências diárias com diversas pessoas, tanto a nível profissional, quanto pessoal e religioso. Dificilmente alguma dessas pessoas fala "eu não sou caridoso"; muito pelo contrário. Existe uma constante necessidade de bater no peito e dizer "eu faço caridade" ou "temos que ter gratidão" (que é um termo que invariavelmente se refere à caridade). Há não muito tempo aconteceu algo comigo que reflete de forma clara esta situação. Uma pessoa que eu respeito muito (muito mesmo, ao ponto de não citar seu nome nesse texto) e é umbandista, passou uma semana inteira falando sobre praticar a caridade, dizendo que todos temos a obrigação de nos doarmos em ações sociais por sermos umbandistas. O discurso era muito bonito e impactante e deveria ser, sim, seguido por todos, mas infelizmente ficava nisso mesmo: um discurso. No dia seguinte ao discurso mais inflamado de todos, eu precisei da ajuda dessa pessoa. Pedi textualmente que ela me ajudasse e tinha a certeza absoluta que seria atendido. Eu não precisava de dinheiro ou de algo parecido; eu precisava de conselho, precisava de colo. Algo simples e que pode ajudar muito outra pessoa, mas que me foi negado justamente por quem brada contra quem não ajuda ao próximo. Vejam a incoerência do discurso de quem se diz caridoso em contraponto às suas atitudes práticas.
O caso acima é um entre tantos outros exemplos que vivencio diariamente e de inúmeros outros casos de pessoas que compartilham suas experiências comigo. Existe um abismo colossal entre aquilo que se prega com aquilo que se faz. O umbandista que nega colo a outra pessoa, seja ela quem for, não é caridoso quando se embrenha numa favela pra tirar foto com os mais necessitados. Isso não é caridade, isso é hipocrisia.
Esta hipocrisia, no entanto, não é exclusividade de um ou de outro. Infelizmente a regra prática que norteia nossa sociedade é a falsidade. Sei que isso é algo pesado para se dizer, mas façamos uma reflexão. Quantas vezes não dizemos que é errado falar mal de outra pessoa, mas no momento seguinte estamos fazendo exatamente isso? Aliás, quantas vezes não falamos "olha só como tal pessoa é, fica falando de fulano pelas costas e não tem coragem de falar na frente", mas fazemos isso justamente falando mal de quem fala mal. Vejam a incoerência; a falsidade. As famosas indiretas nas redes sociais (e eu mesmo faço isso direto) são as provas que não apenas vivemos em um mundo de falsidade, mas esse mundo só é falso porque NÓS SOMOS FALSOS. A pessoa verdadeiramente caridosa perdoa, não apenas no discurso, mas nas atitudes. A pessoa caridosa não guarda mágoas para o resto da vida. A pessoa caridosa não acredita que sua versão dos fatos é a verdade absoluta. A pessoa caridosa ama ao próximo, seja ele quem for e o que tenha feito. Aliás, ISSO é o que define a verdadeira Caridade dentro da Umbanda: fazer o bem ao próximo, SEJA ELE QUEM FOR, e sem esperar nada em troca.
É claro que nem sempre conseguiremos ser caridosos, afinal de contas estamos buscando nossa evolução, e os erros fazem parte do processo, mas sabendo disso, que precisamos evoluir sempre, temos a OBRIGAÇÃO te sermos melhores a cada dia. O umbandista não tem o direito de negar ajuda a quem quer que seja. O umbandista não pode se vangloriar de quando ajuda esta ou aquela pessoa. O umbandista não deve jugar o próximo, pois quando o faz está no mesmo nível que ele acha que o outro está (e eu quero deixar bastante caro que esse é um dos meus maiores defeitos). O umbandista não deve mostrar que faz algo para o próximo... o umbandista deve FAZER algo pelo próximo.
Se você leu este artigo e se sentiu atingido de alguma forma, então existe uma faísca de reflexão que deve ser assoprada todos os dias para que esta indignação se torne algo concreto em sua evolução. Não há vergonha em assumir seu erro, muito pelo contrário. A vergonha deve existir quando distorcemos o conceito base de nossa religião para nosso proveito, ou pelo nosso bel prazer.
Sejamos caridosos de verdade. Escutemos nossos irmãos e filhos. Se todo mundo segurar nas mãos um do outro, então teremos algo para comemorar. Enquanto isso não acontece, a decepção prevalece.
Axé, irmãos.
Um dos melhores textos que li sobre o assunto.... parabéns
ResponderExcluirMeu irmão! A poucos dias descobri seu blog com opiniões e verdades que a muito tempo tento expressar em palavras para meus filhos no Santo. Fantástica suas colocações e visão ampla da NOSSA AMADA UMBANDA! Oxalá o abençoe sempre e obrigada!
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