quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Papa Francisco é Umbandista

PORQUE O PAPA FRANCISCO É MAIS UMBANDISTA QUE MUITA GENTE?


Tá bom, eu concordo que o título é meio exagerado, mas eu quis chamar a atenção mesmo para o Papa Francisco e suas atitudes enquanto pessoa e, principalmente, como líder religioso. Recentemente assisti a um vídeo gravado em 2018 onde o Papa Francisco pediu para parar o tal “papamóvel” (ok, isso ainda é muito Batman para mim) e, de forma espontânea, desceu em meio aos fiéis para benzer e abraçar uma senhora cega de 99 que segurava uma faixa pedindo um abraço do pontífice. Me recordo que vi alguma situação parecida envolvendo o Papa na Itália, quando ele parou para cumprimentar um pequeno grupo de fiéis, além de benzer um cadeirante.

Eu não sou uma pessoa que gosta de ações populistas, então tenho um pé atrás quando vejo algo que é muito escancarado; sinto que parece algo forçado para vender uma imagem. Dito isso, vale a pena pesar que não se trata de um Deputado ou um Vereador segurando um bebê no colo ou comendo buchada de bode durantes as eleições, mas algo feito pela maior pessoa dentro de uma religião, o qual só sairá daquela posição se tiver essa vontade (como ocorreu com o Papa Bento XVI) ou quando desencarnar. Ou seja, Papa Francisco não ganha nada se expondo desta forma. Essa condição o torna alguém que, até que se prove o contrário, não deve haver qualquer tipo de dúvida em relação a como age e se comporta. 

Mas porque então ele é um umbandista? Aconteceu alguma reviravolta e caiu dendê em sua batina? Não, essa metáfora está calçada nas atitudes do Papa em comunhão com os conceitos e ensinamentos básicos de nossa religião: amor ao próximo, sabedoria para conseguir evoluir, respeito às diferenças e, acima de tudo, caridade. Eu resolvi elencar alguns de seus feitos e comparar com os pilares umbandistas:

Seus Discursos e Posicionamentos Contra Gastos Superficiais da Igreja Católica: não é novidade para ninguém que a Igreja Católica desde sempre esbanja riqueza em tudo. A Capela Sistina, localizada no Vaticano, tem tanta obra de arte e tanto ouro e pedras preciosas, que seu valor é considerado incalculável. Logo no início de seu pontificado, Papa Francisco se colocou contra os gastos exagerados de toda Igreja, inclusive pedindo para que os bispos se vestissem de forma mais simples, entrando em comunhão com a avassaladora maioria dos fiéis, que são humildes.

Esse posicionamento é ou não é parecido com os ensinamentos de nossos amados Pretos Velhos, por exemplo, que nos ensinam a viver com o que realmente precisamos, evitando gastos fúteis, o que lustra o ego e não a espiritualidade de ninguém.

O Papamóvel É de Todos: em 2013, em uma cerimônia aberta ao público, Papa Francisco foi surpreendido pelo pedido de uma mãe que dizia que seu filho, com Síndrome de Down, queria muito andar no Papamovel. Papa Francisco não pensou duas vezes e deu uma volta com o menino em seu veículo.

A Umbanda pede que dividemos não apenas aquilo que nos sobra, mas tudo aquilo que temos. Transformar a formalidade de um veículo oficial em um instrumento de alegria para uma pessoa necessitada é colocar em prática esta lição.

Vinicio Riva: na minha opinião esse é um caso bastante emblemático. Para quem não conhece, Vinicius Riva é um italiano residente na pequena cidade de Vicenza que sofre de uma terrível doença genética que lhe enxeram de enormes verrugas pelo corpo inteiro, incluindo toda sua face. Além das terríveis dores, Vinicius sempre foi ridicularizado por todos devido sua aparência. Apesar de ser morador de Vicenza desde sempre, e a cidade já ter sido visitada por outros pontífices, Papa Francisco foi o único que fez questão de beijar e abraçar de forma carinhosa e emocionante aquele sujeito já quase desalentado.

Isso nos fez lembrar que a matéria não é nada além de um receptáculo temporário, sendo que o que realmente importa é o espírito moldado pelas atitudes que temos. 

Contra o Julgamento dos Homossexuais: apesar de ser um assunto que deveria ter sido ultrapassado há muito tempo, infelizmente ainda vivemos em um mundo que vomita ódio contra os diferentes, e a homofobia ainda está presente. Papa Francisco, no entanto, mesmo indo contra a vontade expressa de inúmeros cardeais, sempre se coloca a favor das pessoas homossexuais. Sua frase mais famosa foi dita logo no início de seu pontificado: "e a pessoa é gay, procura pelo Senhor e tem boas intenções, quem sou eu para julga-la?".

O Umbandista deve julgar ao próximo, ou deve amar e respeitá-lo mediante seus atos?

Os Missa Para os 12 Detentos: Papa Francisco surpreendeu a todos durante a Semana Santa, ao realizar uma missa em um presídio para menores e, além de tudo, lavou e beijou os pés dos 12 infratores que ali estavam.

Esse gesto mostra que, como todo Umbandista sabe, não devemos e nem podemos julgar as pessoas independente dos atos que praticaram. 

Vamos Proteger a Floresta Amazônica: em sua visita ao Brasil, Papa Francisco se reuniu com índios nativos e escutou os relatos de suas lutas contra os fazendeiros. O resultado foi que Papa Francisco se tornou um defensor para a proteção da Floresta Amazônica do desmatamento desmedido pelo homem branco.

Esse assunto acho que nem preciso falar nada né? Defende a ecologia, fala com índios (Caboclos)...

Ele Não Anda Mais de Moto: eu não sabia disso, mas o Papa é fã de moto Harley Davidson. Como hoje em dia raramente ele consegue andar, acabou vendendo sua moto Harley e doando o dinheiro para a Caridade.

Vejam bem: caridade.

Falando em Caridade: recentemente soubemos que há muito tempo Papa Francisco sai pelas madrugadas em Roma, vestido como um padre comum, junto com seu amigo, o Arcebispo Konrad Krajewski, para alimentar os mais pobres da cidade.

Ateu Pode Ser Gente Fina: pois é; Papa Francisco já disse em letras garrafais que ser religioso não transforma ninguém em uma boa pessoa, e que muitos ateus que conhece são pessoas maravilhosas desde que façam o bem.

O Papa é Moderno: não existe assunto que seja tabu com ele. Papa Francisco recentemente disse que a Igreja Católica é obcecada em perseguir casamento gay, pessoas que abortaram e que adotam métodos contraceptivos. 

Se esse posicionamento fosse em uma pessoa normal seria moderno; vindo de um Papa, é MUITO mais moderno. igual nossa religião.

Esses são alguns exemplos pontuais de como o Papa Francisco é uma pessoa que deve ser usada como norte moral para todos os umbandistas. Deixo aqui a reflexão (que cabe para mim também): o que nós, umbandistas fiéis a religião, fazemos de parecido com aquilo que temos de ferramenta? Praticamos a caridade de verdade, repartindo com o próximo aquilo que temos? Nós realmente entendemos e RESPEITAMOS a diversidade entre as pessoas, seja de qual ordem for? Nós respeitamos a natureza de verdade, ou ficamos apenas nas frases bonitas de Facebook?

Enfim, nós somos mais Papa Francisco ou mais do mesmo?

Axé meus irmãos em Oxalá.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Pai Joaquim de Angola


Se existe uma linha de trabalho que amo é a dos Pretos Velhos. Sempre tive uma admiração enorme pelos vozinhos e vozinhas por vários motivos: desde a forma de trabalhar, com a serenidade que lhes são comuns, até pela tranquilidade que eles nos passam de uma forma completamente natural (lembro que costumava dizer que eles tinham chá de camomila no sangue). Com todo o respeito e admiração que tenho por rigorosamente todos os guias que atuma nessa linha, incluindo Pai Tonico, o qual tenho a honra de trabalhar em parceria, um Preto Velho em especial sempre me chamou a atenção de uma forma diferente: Pai Joaquim de Angola.
  
Meu falecido ex-sogro e Pai de Santo, Joaquim Correa (sim, olhem as coincidências nos nomes) trabalhava com as forças de Pai Joaquim de Angola. Lembro até hoje a primeira vez que ele se manifestou em seu aparelho, arcando seu corpo aos poucos até ficar completamente curvo, mostrando e demonstrando (ele sempre foi um grande professor) todo o peso do conhecimento empírico que é comum aos guias desta falange. Costumava cantar seus pontos de força com a tranquilidade na voz que apenas aqueles que estão cobertos de serenidade conseguem. Fazia questão de colocar minha filha Yasmin aos seus pés para ensinar o que estava fazendo e ter grandes e proveitosas conversas com ela. Seu meio coco como cuia estava sempre embebido em cachaça, mel e um ramo de arruda. Conversar com Pai Joaquim era uma verdadeira oportunidade de crescimento.

A história do falangeiro desta linha (o Joaquim de Angola “original”, o qual doutrina todos os demais guias para atendimento em seu nome) é bastante interessante e reflete como seria seu trabalho na Umbanda anos após seu desencarne. Nascido em uma pequena aldeia de Angola (onde hoje é localizada a cidade de Lobito), foi escravizado e trazido para o Brasil pois apresentava uma condição física diferenciada, além de ter vários filhos (os colonos enxergavam os escravos robustos e com vários filhos como se fossem verdadeiros reprodutores, tamanho preconceito e destrato). Apesar de jovem (sua idade beirava os 30 anos nesta época), Joaquim (que não era o verdadeiro nome dele, vale a pena lembrar) era uma pessoa com grande conhecimento na manipulação das ervas e utilizava esse conhecimento não apenas para promover curas medicinais (o que era relativamente comum entre os escravos), mas principalmente para trabalhos espirituais.

Com o tempo, ganhando a confiança de todos seus semelhantes, passou a ser o curandeiro oficial de seu quilombo, o que chamava a atenção de todos, inclusive dos colonos. Quando a medicina convencional não dava conta de alguma enfermidade, levavam para que aquele sábio escravo pudesse fazer suas rezas e mandingas, visando a cura. Essa prática o fez conhecer mais de perto vários de seus algozes sociais (os colonos que apoiavam a escravidão) e a fé que cada um deles carregava na Igreja Católica e Jesus Cristo. Apesar de não ter se convertido a qualquer religião, Joaquim passou a querer conhecer mais e mais sobre a história daquele carpinteiro que até seus 33 anos conseguiu mudar o mundo que todos vivem. A partir daí sua admiração pelo Mestre Jesus ficava mais evidente.

Seu desencarne ocorreu de uma forma bastante trágica, quando não pôde curar a filha de um importante fazendeiro, que na época era seu “dono” (sim, os escravos oficialmente tinham donos, por mais absurdo que isso possa parecer). Aquela criança tinha traçado em seu destino uma doença que iria lhe custar a vida e não haveria nada e nem ninguém que pudesse mudar aquilo. Após o falecimento da criança, Joaquim foi açoitado até a morte, sofrendo na carne e na alma todo ódio que consumia aquele colono.

Ao chegar ao Plano Astral, ainda envolto aquela sensação de dor, esbravejava perguntando aonde estava Deus, que lhe deixava desamparado pela vida toda. Aonde estaria a tal Paraíso, que tanto falavam? A revolta era muita e ali ele permaneceu por tanto tempo que não conseguiria sequer medir se foram horas, dias, semanas, anos ou décadas. Quando sua ira abrandou, pediu em oração que Deus pudesse lhe acudir, porque não poderia ficar ali sozinho, sem poder ajudar mais ninguém. Queria ser útil mesmo após desencarnado. Nesse momento Joaquim sentiu alguém lhe tocando as mãos; era Jesus Cristo que veio pessoalmente a pedido do Pai Maior escoltar para sua futura e definitiva morada (Aruanda) aquele que seria um dos seus mais simbólicos e importantes trabalhadores: a partir daquele momento, dava início o processo dentro da Umbanda do, agora sim Pai, Joaquim de Angola.

Pouco se sabe (e nada de realmente pontual foi dito para mim nesse estudo) sobre as práticas que Pai Joaquim aprendeu em Aruanda, mas sabemos que se encarnado ele possuía o dom para manipulação das ervas, enquanto trabalhador da Umbanda ele passou a ser o maior entre os maiores manipuladores das energias contidas na natureza. Por ter sido o primeiro Preto Velho a ter a oportunidade de criar uma falange para trabalhar na Umbanda, atualmente é a maior falange existente (dificilmente entramos em algum terreiro e não tem ali pelo menos um Pai Joaquim de Angola). Todos os guias de sua falange possuem um grande conhecimento sobre os assuntos inerentes a magia, então “o que Pai Joaquim de Angola faz está feito”, como diria o velho dito sobre ele.

O conhecimento de magia não se limita a magia branca, mas também o conhecimento do todo tipo de magia de baixa vibração (ou magia negra). É claro que nunca, sob hipótese alguma, qualquer guia da Umbanda (especialmente os Pretos Velhos) fariam trabalhos de magia nega, mas para combater é preciso conhecer. Esse conhecimento veio através de uma das parcerias mais antigas na Espiritualidade: Exu e Preto Velho. Sim, Pai Joaquim de Angola é considerado mandingueiro e tem essa alcunha por ser um grande conhecedor da magia de Exu. Se hoje é relativamente comum escutarmos que determinado guia “veio virado”, isso só ocorre porque em algum momento Pai Joaquim de Angola decidiu aprender com os Exus e foi humilde o suficiente para chamar seus compadres quando necessário durante qualquer trabalho.

Eu disse que Pai Joaquim de Angola não era necessariamente Joaquim. Seu nome enquanto encarnado pouco importa e só contribuiria para enaltecer a matéria, e não seu trabalho espiritual. Aquele falangeiro decidiu usar o nome Joaquim, por várias referências, entre elas o significado da palavra Joaquim, que é algo como “aquilo que Deus estabelece”. Pai Joaquim de Angola, portanto, é um mensageiro que traz aos terreiros de Umbanda tudo aquilo que o Pai Maior determina.

Ah, outra curiosidade: sabe quando chamamos os Pretos Velhos de vozinhos? Então, é “culpa” de Pai Joaquim de Angola. Segundo alguns estudiosos, Joaquim seria o nome do avô de Jesus (São Joaquim), por isso é considerado o “avô de todo os santos”. Como se manifestou como Pai Joaquim de Angola, as pessoas trouxeram este conceito católico (Joaquim = avô) para nossa amada religião.

Eu aconselho muito a todos os leitores que puderem, se consultar com algum guia que atua na falange de Pai Joaquim de Angola. É uma experiência única e maravilhosa absorver um pouquinho que seja do conhecimento e do axé dessa linha. Todo meu amor e respeito ao avô dos avôs. Adorei as almas.

Quer apender a fazer um trabalho de Preto Velho? Então vamos lá:

A firmeza abaixo deve ser feita preferencialmente no terreiro onde a pessoa frequenta/trabalha, porém, dependendo da situação pode ser entregue em algum cruzeiro (lembrando que é Obaluaiê quem rege esta linha de trabalho) ou, se a pessoa já tiver familiaridade com firmezas espirituais, pode ser realizada em casa mesmo.

Ingredientes:

1 Alguidar médio
Café em grãos
1 turmalina negra
1 ametista
21 contas de Nossa Senhora
1 fumo em corda
1 cachimbo (com fumo dentro)
1 xícara com café
Incenso de guiné
1 vela de sete dias cruzada (preta e branca)

Montagem:

Coloque os cafés em grãos no alguidar;
No meio do alguidar coloque a vela de 7 dias;
Do lado direito coloque a turmalina;
Do lado esquerdo coloque a ametista;
Circule com as lágrimas de Nossa Senhora;
Coloque o pedaço de fumo aonde quiser, de preferência em lugar que fique bonito ao olhar;
Do lado de fora do alguidar coloque a xícara com o café;

Quando a vela de sete dias terminar, você pode trocar e deixar a firmeza “sempre acesa”, colocando outra velha de sete dias. Se não conseguir, acenda uma vela palito pelo menos uma vez por semana.

Sempre que firmar a vela (seja de sete dias ou palito), acenda o cachimbo e de três baforadas, se concentrando naquilo que quer pedir. O cachimbo pode ficar ao lado da xícara de café sem problemas.

Pronto, um ritual bastante simples, mas de muita força se for feito da forma correta. Entre em contato com o Preto Velho que te protege. Entre em contato com esse lindo trabalhador de Deus.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Os Mistérios de Tranca Ruas

Olá irmãos em Oxalá. Quando iniciei esse blog, minha ideia era falar um pouco sobre os Orixás e sobre as linhas de trabalho da Umbanda em si (Caboclos, Pretos Velhos, Boiadeiros, etc), mas recentemente algumas pessoas me procuraram pedindo para falar sobre alguns guias em específico. Eu nunca gostei da ideia de saber história de guia, porque acho que o trabalho da entidade em si, após doutrinado para trabalhar na Umbanda, é muito mais importante que sua história enquanto encarnado, mas querendo ou não acabei escutando os guias falarem. Eu peguei essas histórias e juntei com a forma de trabalho dos guias e iniciei esse pequeno estudo, para que possamos conhecer não apenas a história desses guias enquanto encarnados (a maior parte dessas histórias remetem ao falangeiro) mas sua forma de atuação específica e algumas curiosidades. 

Para começar, pensei em falar sobre Pai Joaquim de Angola ou talvez do Cacique Tibiriçá. Baiano Zé do Coco foi uma das minhas opções pelo amor e respeito que tenho por ele, mas achei que seria bom começar com aquele que é um ícone dentro da religião e, até mesmo quem não gira na Umbanda conhece seu nome: Tranca Ruas!

Logo após a Umbanda ser anunciada pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas através da mediunidade de Zélio Fernandino, em 1908, surgiu a primeira manifestação de um guia espiritual com atuação na Esquerda. Apesar de não se denominar como Exu, Orixá Malê, que se apresentava como Caboclo, era na verdade um trabalhador da Esquerda que, para evitar maiores preconceitos na época, não mostrava a qual linha pertencia de verdade.

Portanto, ao contrário do que muitas pessoas falam, Exu trabalha na Umbanda desde seu anúncio. No início, porém, o culto aos Exus era bastante diferente de como vemos hoje. Os trabalhos eram feitos basicamente para desobsessão, e os rituais muito simples. Exu sequer usava velas e as poucas tronqueiras existentes nos terreiros eram altares de devoção a Santo Antônio, com paredes brancas e muitas flores. O culto aos Exus realente era similar aos Caboclos. Lá pela década 1930 as primeiras linhas de Exu começaram a se manifestar, sendo que algumas delas sequer trabalham hoje. Seu Sete Encruzilhadas era o mais comum nos terreiros, pois atuava sob a regência de Oxalá e, me desculpem o termo, "assustava menos". Era um guia calmo e acolhedor.

Tínhamos a incorporação de Sete Encruzilhadas na linha de Oxalá, Exu Marabô na linha de Oxossi, Gira Mundo na linha de Xangô, Exu Caveira na linha de Obaluaiê, Exu do Lodo na linha de nanã, mas não existia nenhum guia que atuava na linha de Ogum que, já naquela época, era sabido que "comandava" a linha de todos os Exus. Na década de 1940, porém, de forma massificada (vários terreiros espalhados pelo Brasil todo de uma só vez) surgiu o primeiro Exu que atuava sob a regência de Ogum e, de forma bastante escancarada, trazia aos terreiros o trabalho de manipulação de Magia. Esta linha se denominava Tranca Ruas.

A apresentação de Tranca Ruas é um verdadeiro marco na história da Umbanda, pois chamou a atenção para seus trabalhos realmente incomuns na época, o que fazia com que os médiuns tivessem que estudar para aprender aquilo que estava sendo realizado. E esses rituais, que eram diversos, surgiam por Tranca Ruas, mas com a autorização do Plano Espiritual para tal. A vinda de Tranca Ruas e sua forma de trabalhar indicava que os médiuns estariam (ou deveriam estar) preparados para realizar trabalhos mais pesados, além das desobsessões já comuns à época. Foi com Tranca Ruas que o elemento fogo passou a ser utilizado durante os atendimentos aos assistidos e um ritual bastante utilizado até hoje foi criado, que é a Roda de Fogo. Sabe aquele assistido que precisa de um descarrego mais forte, e é colocado no meio de uma roda cercada de pólvora (fundanga)? Então, foi Tranca Ruas que nos apresentou esta prática, FUNDAMENTADA dentro da Lei Maior.

Por trabalhar sob a regência de Ogum, Tranca Ruas é conhecido como Senhor dos Caminhos e por isso quando ele surgiu também veio a informação de que o ponto de energia dos Exus é a encruzilhada. Tendo esse novo conhecimento, as oferendas feitas aos Exus passaram a ser realizadas nas encruzilhadas, por orientação de Tranca Ruas. É justamente por este motivo que vários médiuns ainda hoje quando arriam algum trabalho em Encruzilhada, fazem 3 firmezas: uma para o Exu que receberá a energia da oferenda; outra para o que chamamos de "dono da encruza", que é o Exu responsável para garantir que a entrega que for firmada com segurança não seja atacada por kiumbas; e Tranca Ruas, por ser ele quem apresentou a encruzilhada como ponto de força na Umbanda.

Mesmo sendo regido por Ogum, cada Tranca Ruas tem um campo de atuação específico. Na maioria das vezes essa designação sequer é conhecido pelo médium, mas quando acontece conseguimos identificar qual é sua especialidade, por assim dizer: Tranca Rua das Almas, por exemplo, atua na ordem (Ogum) com atuação no trono da Evolução (almas = Obaluaiê, que rege a evolução do ser). Tranca Rua das Almas, portanto, é um Exu de Lei que tem como foco direcionar a pessoa para a sua evolução (reforma íntima), seja qual for o meio que precise utilizar para conseguir.

A Umbanda sempre foi perseguida pela Igreja Católica e pelos evangélicos. Apesar de hoje estar mais abrandada essa fúria, há algumas décadas o preconceito era tamanho que os umbandistas eram associados ao demônio. Quando Tranca Ruas surge trazendo rituais de Magia dentro da religião, aí foi o prato cheio para os preconceituosos se inflamarem ainda mais. Foi justamente por conta disso que as imagens dos Exus deformados (sem pés, vermelhos, alguns nus, com chifres, etc) se tornaram comuns. Tranca Ruas, mesmo fazendo um lindo trabalho sob a Lei de Ogum e com a autorização de nosso Pai Maior, passou a ser considerado pelos religiosos de outras denominações, como a personificação do mal que a Umbanda causaria. Esta afronta ao trabalho maravilhosos de Tranca Ruas e de todos os Exus é tão grande, que infelizmente é comum mistificadores nas igrejas evangélicas utilizarem o nome "Tranca Ruas" como referência a espíritos demoníacos. 

A importância de Tranca Ruas é tão importante na Umbanda que, ainda hoje, todo e qualquer terreiro de Umbanda possui alguma entidade designada pela Espiritualidade, atuante na falange de Tranca Ruas. Pode ser que ele nunca se manifeste incorporado em algum médium (e dificilmente esse Exu responsável pelo terreiro incorpora), mas sua energia está presente, especialmente nos terreiros que possuem a prática da Roda de Fogo, ou da queima da fundanga (seja qual for o nome dado no terreiro). Desta forma, é prudente e respeitoso sempre saudarmos a força de Tranca Ruas, independente de conhecermos ou não aquele guia em específico.

Para terminar, uma curiosidade sobre esta linda linha é que, diferente de outros falangeiros, que se apresentam como antigos poderosos que precisam evoluir (quem aqui não conhece a história do Exu da Meia Noite, antigo barão do café de Santos, passe a conhecer porque é linda), Tranca Ruas é a força do homem simples, do homem do povo, daquele que andava entre os pobres e comuns quando encarnado, e é isso que me deixa mais maravilhado dentro da nossa religião. A humildade do Preto Velho e do Caboclo se mantém com Tranca Ruas, que é o protetor de todos na Umbanda. 

Agora vamos falar como agradar Tranca Ruas? Então vamos lá.

Antes de tudo é bom lembrar que um ritual de firmeza para qualquer guia (de Exu a Preto Velho) deve ser feito com muita seriedade, com total dedicação da pessoa (não fazer nada por fazer, de forma automática) e principalmente com as devidas proteções. Portanto os rituais abaixo são direcionados para pessoas com certa experiência. Se o leitor que está vendo isso quiser agradar Exu Tranca Ruas mas não tiver certo se está apto, peça ajuda ao terreiro que você frequenta e confia. Certamente o Pai ou Mãe de Santo te ajudará de coração. Bom, vamos lá:


FIRMEZA DE TRANCA RUAS (este ritual serva para qualquer tipo de agradecimento ou pedido de comunhão com Tranca Ruas)

1 Alguidar médio
Farinha amarela (milho)
7 pimentas vermelhas
Dendê
Cachaça
1 Charuto
1 vela vermelha
1 vela preta
1 vela branca

Firme a vela branca próximo ao local onde será feito a manipulação dos ingredientes, dedicando aquela vela a Tranca Ruas.

Fazer o padê misturando a farinha com metade da cachaça + dendê (o suficiente para que a farofa fique bastante úmida). Essa mistura deve ser feita com as mãos, preferencialmente sem o auxílio de nenhum outro objeto. Isso é necessário para que a sua energia seja transmitida ao padê e desta forma haja uma maior sintonia entre você e a oferenda. Neste momento a pessoa deve firmar seu pensamento a Tranca Ruas, agradecendo a possibilidade de estar comungando com ele e, principalmente, agradecendo sua proteção.

Coloque o padê no alguidar (eu disse o médio para poder acomodar bem os ingredientes, mas pode ser do grande também).

Enfeitar o alguidar com as sete pimentas, pedindo que Seu Tranca Ruas, que atua sob autorização de Ogum possa te dar caminho.

Na hora de entregar o padê (ou arriar a entrega, como dizemos na Umbanda), coloque cachaça em um copo (pode ser pequeno), dedicando aquele elemento a Tranca Ruas, pedindo que ele te limpe na condução dos caminhos abertos. Esse copo deverá ficar ao lado do alguidar.

Firme as velas (preta e a vermelha) consagrando a Tranca Ruas.

Regue o padê com mais um pouco de dendê.

Acenda o charuto e bafore 7 vezes sobre o padê, pedindo proteção. Após isso, coloque em frente ao alguidar ou, respeitosamente, sob o padê.

Faça um círculo em torno do padê arriado com o que restar da cachaça, pedindo que aquele elemento volátil (álcool) possa impedir que eguns se aproximem daquela entrega.


Pronto, sendo feito de coração e com firmeza, sua entrega foi bem sucedida e você entrará em comunhão com Tranca Ruas. 

Você pode despachar os itens utilizadas (menos o alguidar, que pode e deve ser reutilizado) em mata, água corrente ou na estrada. Os itens não perecíveis (resto de velas) DEVEM ser descartados de forma a preservar o meio ambiente, portanto sob hipótese alguma na natureza.


Axé irmãos
Laroyê Exu Tranca Ruas

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

Assédio nos Terreiros

Boa tarde irmãos em Oxalá. Recentemente falamos sobre alguns casos polêmicos relacionados a "santidade" dentro dos terreiros e afins, inclusive citando o caso de João e Deus e suas inúmeras acusações de assédio. A pedido de alguns conhecidos, resolvemos falar especificamente sobre casos que ocorrem dentro de algumas RARAS casas (sempre bom lembrar que é a exceção, não a regra), que envolvem o assédio a assistidos ou até mesmo trabalhadores, feito por médiuns da corrente.

Como identificar isso e, principalmente, o que fazer em relação a essas situações? Vamos tentar ajudar a esclarecer um pouco:

Já comentei certa vez um caso ocorrido na cidade de Itupeva (interior de São Paulo), onde um pai de santo foi acusado de assediar sexualmente uma assistida menor de idade. Vou citar este caso pois a justiça já determinou sua culpa, então não correrei no erro de ser injusto. O tal pai de santo se dizia receber um Exu Tranca Ruas (sim, ele usou o nome do Seu Tranca!!!) e um Boiadeiro e, com esses supostos guias, realizava trabalhos de desobsessão com a Assistência, sendo que em alguns casos esse trabalho era realizado em um quarto fechado, apenas o médium e o assistido. 

Uma menos de idade (16 anos na época) foi "tratada" pelo médium que a convenceu de que para que ele fosse curada dos obsessores que estavam com ela, teria que fazer sexo com o Exu. Fato é que ela manteve relação sexual com o médium (que fingia estar incorporado com Exu e Boiadeiro) através de constrangimento e fraude (é o termo jurídico pra aquela palavrão que todos conhecemos) e acabou engravidando. Não vou entrar no mérito se era óbvio que aquilo era uma grande marmotagem do médium, pelo simples fato da pessoa ser menor de idade e não ter conhecimento sobre os procedimentos ritualísticos. E, irmãos e irmãs, a culpa NUNCA será de quem é violentado, mas de quem violenta, e isso pra mim é bastante claro.

Existem outros casos em que o médium tem tal nível de animismo que cruza a tênue linha existente e acaba mistificando, fazendo uma "consulta" com entidade (geralmente escolhem Exu ou Pomba Gira) na qual as vontades pessoais do médium se sobressaem. Tivemos relatos de pessoas que se sentiram incomodadas com o atendimento de um determinado Guia e resolvemos estudar a fundo o que aconteceu. Fizemos isso não com uma, mas com pelo menos uma dúzia de casos e conseguimos identificar um padrão de comportamento desses médiuns que envergonham nossa religião. Fiquem atentos ao esses padrões (são INDÍCIOS, ok, não PROVA de nada, portanto não julguem o médium antes de ir para o segundo passo que mostraremos aqui):


  • Médium que atende exclusivamente com Exu, ou que em todo "trabalho fechado" traz Exu ou Pomba Gira para tratar o assistido;
  • Médium bebe mais do que o normal (já sabemos que o Guia precisa de uma quantidade pequena de álcool para trabalhar, portanto quando um guia exagera, deixa de estar ali e a mente do médium se vê presente, inclusive atraindo obsessores);
  • Os passes feito pelos Guias geram muitos toques nos assistidos (principalmente quando é um médium homem atendendo mulher ou vice-versa). Os chapéus e demais objetos dos guias servem para evitar que haja um excesso de toque;
  • O "guia" fala muito sobre a vida sexual do assistido, mesmo sem que ele ele (o/a assistido/a) tenha sequer aventado aquele assunto. Se nós, meros mortais, temos o mínimo de noção para não fazer esse tipo de comentário, qualquer outra linha de trabalho da Umbanda tem MUITO MAIS noção do que nós, então se fala bobagem não é Guia, é médium;
  • Atendimento feito em local fechado NÃO EXISTE!!! Umbanda não é uma religião com rituais desconhecidos, completamente obscuros ao ponto de precisar que seja feito sem que ninguém veja. Todo ritual deve ser acompanhado pelo menos por 2 outros trabalhadores da casa (além do médium que atenderá com o Guia incorporado), preferencialmente de gêneros distintos, e que não seja amigos pessoais do médium que fará o atendimento;
  • Quando um guia destaca os atributos físicos de forma corriqueira dos assistidos e/ou trabalhadores, é um indício de que o animismo está mais forte e é o médium que dita as palavras, não necessariamente a força presente. Uma pomba Gira incorporada em um médium homem não precisa chamar de "gostosa" ou "peituda" alguém, ao ponto de constranger essa pessoa. Um Exu incorporado em médium mulher não precisa chamar um assistido homem de gostoso ou algo parecido. Novamente digo: se temos a noção de respeito ao próximo, a Espiritualidade tem ainda mais.
  • Quando um guia fala mal do cônjuge ou namorado(a) de quem está atendendo, especialmente em relação à vida sexual dele ("sua esposa é frígida" ou "seu marido é impotente" - sim, aconteceu isso) então aí é mais provável ainda que esteja ocorrendo uma grande mistificação, o que é inaceitável na Umbanda.


Esses são alguns exemplos pontuais de situações que ocorrem e todo mundo deve ficar bastante atento, e quando digo todo mundo, é TODO MUNDO... de assistência até Pai ou Mãe de Santo, afinal de contas o errado é errado quando temos conhecimento dos fatos e não fazer nada nos torna cúmplices (e isso é um conceito jurídico, não achismo pessoal).

Mas vamos lá... surge uma situação dessas. O que devemos fazer?


  • A primeira coisa a ser feita é conversar com o dirigente do Terreiro. Muitas vezes quem toma aquela atitude é um médium da corrente, não necessariamente fazendo parte do que chamamos de "Linha de Frente". Se a explicação for MUITO convincente, mas muito mesmo, daquelas que não deixa nenhum tipo de dúvida, então EXIJA que o(a) dirigente fale com o(a) médium arrolado para que preste esclarecimento. Se mesmo assim a explicação não convencer ou não exista essa conversa, o assistido deve procurar uma Delegacia de Polícia para realizar abertura de Boletim de Ocorrência;


  • Se a explicação não for nada razoável, então o assistido deverá procurar a Delegacia de Polícia imediatamente. Vale lembrar que mesmo sendo uma instituição religiosa, não estamos de qualquer forma acima da Lei do homem e todos os atos errados devem ser investigados e punidos de acordo;
  • Reparem que no item acima eu disse "investigado", então o fato será INVESTIGADO pelo Ministério Público Estadual que, baseado em investigações e evidências, decidirá se abre processo contra os responsáveis ou não. Então sabia que o responsável por qualquer consequência NÃO É VOCÊ e você NÃO SOFRERÁ MAL ALGUM DA ESPIRITUALIDADE. Exu não vai te derrubar porque você denunciou uma prática errada do médium, muito pelo contrário.
  • Denuncie nos órgãos federativos que ajudam na regulamentação dos terreiros. Apesar dessas federações serem mais ausentes do que deveriam, quando são acionadas em relação a esse tipo de situação, acabam se envolvendo mais.
Alguns links e informações úteis para denúncias:


  • Associação Brasileira de Religiosos de Umbanda, Candomblé e Jurema - ABRATU - www.abratu.com.br (11 3895-1778 / 11 94779-0822 WhatsApp).
  • Federação Brasileira de Umbanda - FBU - www.fbu.com.br (21 2289-3399 / 21 2593-9156 - fbu@fbu.com.br).
  • Federação de Umbanda do Brasil - FUB - www.fub.org.br (11 2722-4534 / 11 2253-9377 - info@fub.org.br)
  • Ministério Público - LINK PARA DENÚNCIA.


Lembrem-se que 2019 é o ano de Ogum, então quem sabe quem é Ogum e vira as costas para as situações erradas, está virando as costas para Aquele que aplica a Lei de Deus. 

Por uma Umbanda mais consciente e por uma sociedade melhor, espero que possamos acabar com esse tipo de situação.

Axé.
Ogunhê!

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Búzios NÃO determina Orixá de ninguém

Se tem uma pergunta que a maioria dos umbandistas se faz quando inicia na religião é "quem é meu Orixá?". O questionamento é bastante normal por diversos motivos, desde uma mera curiosidade até mesmo em questões mais importantes, como saber a forma de cuidar de um Orixá por exemplo.

Quando iniciei na religião não era tão comum as pessoas terem esse interesse. Exceção feita aos dirigentes dos terreiros que precisavam, sim, saber quais orixás regiam suas coroas, os demais filhos de santo raramente sabiam. O que existe hoje mais latente em vários terreiros, que é o culto aos Tronos da Umbanda, já existia de forma prática. Por exemplo, se um umbandista precisava de uma auxílio inerente a justiça, ele recorria a Xangô. Se fosse algo inerente a lei, era a Ogum que ele solicitava ajuda. A relação entre médium e orixás era algo bastante leve, sem a obrigatoriedade de fazer isso ou aquilo ou agir desta ou daquela forma  porque a coroa da pessoa respondia a determinado Orixá.

Com o passar do tempos, Umbanda e Candomblé se aproximaram mais e o culto aos orixás, que é algo muito importante dentro de toda liturgia candomblecista, passou a ficar mais enraizado nos terreiros de Umbanda. Assim os umbandistas passaram a focar mais nos Orixás que regem suas coroas. Como essa aproximação com nossos irmãos do Candomblé que gerou essa vontade, muitos umbandistas recorreram ao oráculo divinatório utilizado pelos babalorixás: jogo de búzios.

Eu respeito quem utiliza os búzios para descobrir seus orixás (eu mesmo joguei umas 3 vezes só pra confirmar que sou filho de Oxóssi), mas precisamos entender que são práticas completamente distintas e pode acontecer o que chamamos de ruído nas informações. Esse ruído ocorre porque a pessoa que joga os búzios está toda fundamentada no Candomblé (como tem que ser), mas a ela é solicitado verificar a coroa espiritual de alguém que está professando sua fé em outra religião, então se a pessoa que joga não for muito bem firme em verificar que se trata de um atendimento para um umbandista, a jogada não tem qualquer valia.

Eu já presenciei inúmeros casos (vários mesmo) que foi feita uma jogada de búzios com a mão no Candomblé para que pudesse ser descoberto o orixá de um umbandista. Um dos casos que gosto de citar é de um antigo conhecido que após sua tirada de búzios, descobriu que sua coroa era regida por Oxumaré. No terreiro que esse amigo trabalhava não existia culto a Oxumaré simplesmente pelo fato de não ser um Orixá cultuado na Umbanda (Oxumaré dá suporte no Trono do Amor à Oxum). Ele ficou sem saber como cuidar daquele orixá que o acompanharia para o resto da vida. Buscava vários terreiros, mas nenhum cultuava Oxumaré. Ele só conseguiu acalmar o coração quando fez o que deveria ter feito desde o começo: confiar nos guias chefes do terreiro que trabalhava e, acima de tudo, confiar no que os guias que trabalhavam com ele diziam. No final das contas ele era filho de Oxóssi, não de Oxumaré.

Se uma simples curiosidade causou um desequilíbrio em uma pessoa que tinha relativo conhecimento, imaginem o que não poderia acontecer em alguém que acreditasse cegamente no que os búzios falam? Não podendo cultuar um Orixá que não é firmado na Umbanda, a pessoa pode se afastar da religião ou, pior ainda, cultuar o que não conhece de uma forma irresponsável, mexendo com energias que certamente não consegue lidar.

Algumas pessoas me perguntam o porque no jogo de búzios sai uma informação errada. Na verdade, não existe resposta errada, o que existe são perguntas erradas. No exemplo que eu citei acima, se esse amigo algum dia se afastar da Umbanda e for aceito no Candomblé, então sua coroa será de Oxumaré. Esse que é o grande problema da situação: ver a coroa de uma pessoa em uma religião enquanto ela pratica outra. 

Outra questão que preciso esclarecer é que não existe esse negócio de "definir Orixá nos búzios". Quando alguém encarna e decide ser umbandista, a sua coroa já está definida e não há búzios ou qualquer outro tipo de oráculo que vai mudar isso. Tanto no Candomblé quanto na Umbanda, o jogo de búzios apenas informa aquilo que já está consagrado pela Espiritualidade.

Um umbandista não precisa recorrer aos nosso irmãos do Candomblé para saber qual é o exu que vai trabalhar com ele. Há algo mais bonito do que deixar que o Guia se manifeste e através disso converse com o médium e se apresente para começarem a trabalhar? Agora imagine só se uma pessoa tem o acompanhando a força de Exú Marabô, por exemplo, mas no jogo de búzios apareceu que é Exu Tiriri. O médium estará completamente induzido a trabalhar com uma força achando que é outra, o que não é algo interessante para acontecer, porque podem ser linhas completamente distintas.

Eu acho que muito umbandista tem o famoso "complexo de vira-lata" em relação ao Candomblé, achando que tudo o que vem de nossos irmãos candomblecistas é regra para todos. Não é! Candomblé dita as regras para os trabalhadores do Candomblé, e a Umbanda para os trabalhadores da umbanda. Reconhecer isso não é faltar com o respeito, mas saber nos colocar enquanto religião puramente brasileira e linda em suas distinções com outras religiões. Eu acredito que devemos cada vez mais firmar nossos rituais dentro dos conceitos e premissas umbandistas para deixarmos de lado essa inferioridade que parte dos irmãos em Oxalá ainda sentem.

Axé

quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

Ovóides e a Umbanda

Recentemente tenho escutado muitas pessoas completamente diferentes falando sobre os "ovóides". O meu conhecimento sobre o assunto era muito limitado, pois tinha escutado de um ou outro Guia da Umbanda falando a respeito e minha mãe (a de sangue mesmo, não a de Santo), sendo kardecista estudiosa, havia comentado algo sobre espíritos que "regridem" à forma embrionária (por isso o nome). Estudando a respeito, descobri alguns fatos interessantes, os quais decidi compartilhar com os caros leitores deste blog.

Para falarmos a respeito dos ovóides, precisamos entender alguns conceitos fundamentais relacionados à evolução dos espíritos e seu Livre Arbítrio, além da atração por afinidade energética que esses espíritos mais ou menso evoluídos proporcionam. Como todos sabemos, cabe aos espíritos a evolução, e isso ocorrerá eventualmente; alguns indivíduos possuem o conhecimento sobre a necessidade de sempre realizar coisas que proporcionem sua evolução moral e intelectual, então esses espíritos, entendedores de sua missão, acabam se tornando indivíduos melhores, desta forma evoluindo "mais rápido". A contrapartida disso são espíritos que, utilizando o Livre Arbítrio dado por Deus, decidem de forma deliberada seguir por outros caminhos que não o da evolução moral, e para isso realizam trabalhos de obsessão contra outros espíritos (encarnados ou não), para que impeçam as suas evoluções. Esses espíritos obsessores que atuam de forma deliberada praticando o mau, na Umbanda chamamos de Kiumbas.

Existem, no entanto, espíritos que são obsessores não por uma escolha que denote fazer a maldade, mas por situações que até esse momento eles não entendem e, por não entenderem, não conseguem trabalhar para resolver. Os exemplos são vários: uma pessoa que desencarna em um acidente de automóvel em que estava dormindo, quando "acorda", se vê preso em um corpo mas as pessoas não o escutam. Ele se encosta em alguém por medo, e assim fica até ser resgatado pela Espiritualidade. Uma pessoa que fora viciada em vida, quando desencarna continua sentindo os efeitos das drogas e se recusa a seguir seu caminho espiritual, ficando no Plano Terreno acompanhando outros viciados, não para fazer mal, mas para estar nos ambientes de uso de drogas, que é um local que ele possui afinidade. Os exemplos são os mais variados possíveis e remetem à indivíduos que precisam de uma grande ajuda para não serem, eles também, obsediados pelos Kiumbas e convencidos a trabalhar para esses espíritos de baixa moral.

Algum desses espíritos quando conseguem ter a noção que estão desencarnados, ao invés de seguirem em frente com sua evolução, ficam aficionados por alguma ideia e se tornam verdadeiros paranoicos. Quando isso acontece, mesmo não sendo sua intenção, eles acabam vibrando uma energia muito baixa, na mesma sintonia de um Kiumba, o que os tornam energeticamente perigosos. A Espiritualidade Amiga trabalha intensamente para ajudar a reverter esta situação, mas muitas vezes a vontade (lembremos do Livre Arbítrio) é tão grande que pouco efeito tem. Quando isso acontece de uma forma mais forte, aquele indivíduo se volta para seus pensamentos paranoicos a tal ponto que vai se definhando e fica com a aparência (sim, no Plano Espiritual temos uma forma "física") completamente deformada. Em alguns casos, isso acontece de tal forma que o espírito aparenta ter a forma de um ovo (ou "ovóide").

Essa situação é muito perigosa em vários sentidos. Imaginemos que uma pessoa desencarna e tem a obsessão possessiva por alguém que ainda está encarnado. Se esse espírito se tornar um ovóide, poderá se ligar de forma parasitária a pessoa encarnada, causando uma obsessão constante. Esse tipo de obsessão é muito mais complicada de ser trabalhada pelos Guias da Umbanda, porque o único "culpado" pela situação é um indivíduo que muitas vezes sequer tem maldade naquilo que faz, e está em um momento sem consciência alguma, sendo algo parecido com um mero parasita (um "carrapato" acoplado ao espírito de alguém). 

Quando existe um Kiumba acompanhando alguém, conforme o merecimento da pessoa os Exus podem atuar de uma forma incisiva, desobsediando o encarnado e levando para tratamento o tal kiumba (claro que mediante não apenas o merecimento, mas sua vontade). Aceitando ser tratado, pode ser conduzido por algum outro guia (Preto Velho, Caboclo, Boiadeiro, etc). Quando a obsessão é feita por um espírito ovóide, não há que um Exu possa fazer além de ajudar na proteção do encarnado, afinal de contas ter se tornado um ovóide já é consequência das atitudes "erradas" do indivíduo, então não cabe a Exu questionar isso. Quando isso ocorre, via de regra alguma entidade que atua na Direita realiza algum trabalho para isolar as energias do assistido (através de banhos, defumações e até mesmo manipulação energética com velas ou outros objetos magísticos) e cortar a ligação daquele ovóide com a pessoa. Não é um trabalho simples, mas via de regra quando identificado o problema, ele é resolvido.

O caso mais grave que ocorre é quando algum desses ovóides está sendo manipulado por algum kiumba. Quando isso acontece, aquele ovóide é colocado junto a algum encarnado (pode acontecer até mesmo durante sua gestação) para que a energia daquele ser (o ovóide) impregne na pessoa e ela sirva como uma verdadeira incubadora de energia negativa. Isso acontece geralmente em pessoas que possuem a missão de serem grandes referências ou que, já encarnadas, estejam cercadas de pessoas e tenha algum tipo de poder de influência sobre elas. Quando essa situação é identificada o problema para solucionar, dentro da Umbanda (é sempre bom lembrar que cada religião tem sua forma de atuação, se diferenciado entre elas), a missão recai sobre mais de uma Linha de trabalho, mas sempre tendo Exu tomando a frente, e isso acontece porque quando a situação é descoberta, o kiumba (Magos Negros, geralmente) se irritam e começam a investir pesadamente contra o assistido, contra o médium que atua na incorporação com aquele Exu e, na maioria das vezes, contra toda a corrente mediúnica do Terreiro, especialmente seus dirigentes. O intuito desses ataques é enfraquecer a egrégora que certamente tratará aquele assistido. Como todo Exu é mais forte que qualquer kiumba, então o alvo acabam sendo as pessoas que estão em um processo inferior de evolução (ou seja, todos nós encarnados).

Enquanto Exu afasta os kiumbas, cabe ao Preto Velho, por exemplo, dar caminho a eles e, se estiver devidamente firmado pelo médium ou egrégora, acalmar o assistido enquanto o trabalho todo é realizado. E não é um trabalho rápido; remetendo a memória, lembro de um caso que acredito que tenha sido causado por esse tipo de trabalho trevoso, e durou mais de um ano para ser concluído.  

No texto sobre o aborto eu falei um pouco sobre algumas mulheres que possuem a missão de servirem como receptáculos de alguns espíritos que necessitam passar por alguns pouco meses no Plano Material para concluírem alguma etapa de sua evolução. Isso também acontece com alguns ovóides que precisam desse carinho materno para saírem desta condição; o caso mais conhecido é o de Santos Dumont, que desencarnou de forma trágica (suicídio) e depois que teve conhecimento da Espiritualidade, ficou tão amargurado por sua maior invenção estar sendo usada para o mal (aviões de guerra) que se fechou até ficar na forma ovóide. A Espiritualidade tinha consciência que aquele indivíduo, por mais que estivesse em uma situação moral bastante crítica, serviria para grandes propósitos de Deus, então fez com que aquele ovóide reencarnasse no ventre de uma mulher que destinara seu corpo para aquilo. Foram quatro meses necessários para que ele pudesse sentir o amor do ser humano e se desfazer daquele ódio que o consumia. Após ser abortado de forma espontânea), voltou ao Plano Espiritual para dar sequência em sua obra.

Não há nenhuma receita mágica, portanto, para nos livrarmos da possibilidade de sermos obsediados. O que temos que entender é que existe uma afinidade energética em tudo e não há como escapar dela. Se uma pessoa tem pensamentos odiosos, atrairá energias e espíritos que estão com a mesma vibração daqueles pensamentos. Se uma pessoa é amável (de verdade, nas atitudes e pensamentos, e não apenas nas palavras) atrairá energias e espíritos naquela vibração. Portanto a melhor forma que temos para evitar qualquer surpresa desagradável é orar e vigiar todos os nossos passos. Sermos indivíduos melhores não é apenas uma obrigação de nossa moral, mas nos serve como amparo para que não ocorra algo muito difícil de ser revertido.

Axé


segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

Aborto - Visão Umbandista

Aborto é um assunto polêmico por excelência. Cada pessoa tem uma opinião a respeito e justamente por essas divergências, sempre existe bastante discussões em torno. Eu mesmo tenho pelo menos duas opiniões que entram em embate sempre: a pessoal diz que não deve ser feito, mas a social e política (a qual, na minha opinião, deve nortear o assunto em termos de Legislação) diz que é um assunto de Saúde pública, então deve, sim, ser legalizado dentro de parâmetros muito mais abrangentes do que uma opinião estritamente pessoal e religiosa. 

Dito isso, devo dizer que abordarei a questão de uma forma religiosa voltada para parâmetros espiritualistas (sem necessariamente refletir a minha opinião sobre legalização ou não).

Antes de tudo, vamos entender o que é a concepção de uma vida. Segundo o entendimento comum kardecista, antes de encarnar, o indivíduo escolhe quem será sua família e, principalmente, quem será sua mãe. Quando chega a hora de reencarnar, aquele indivíduo tem suas memórias "resetadas" e é fecundado no ventre daquela pessoa que escolheu COM A AUTORIZAÇÃO DA ESPIRITUALIDADE, ser filho(a). A vida daquele ser já existe quando o espermatozoide é fecundado no óvulo, portanto de forma contrária do que diz alguns pensamentos científico, quando o feto existe em seus primeiros instantes, ali já existe um espírito. 

Quando um aborto acontece, seja de forma involuntária ou voluntária, o fato é que existe a morte do invólucro material que todo espírito precisa para fazer sua expiação no Plano Material. Os abortos espontâneos acontecem com a manifestação da Espiritualidade para corrigir algumas situações de encarnações anteriores: uma pessoa que sabe que vai desencarnar daqui alguns meses por conta de alguma doença terminal, decide tirar sua vida e interrompe um ciclo natural da vida; sua próxima reencarnação pode ser de alguns meses no ventre materno, não para que ele aprenda nada (não há o que se aprender no útero que desenvolva a moral do indivíduo), mas para que cumpra um ciclo erroneamente interrompido. Nesse tipo de aborto, não existe qualquer consequência kármica para a mãe que aborta, além do fato de como ela vai lidar com essa situação e como seguirá em frente com sua vida.

Quando um aborto acontece de forma voluntária (ou seja, quando a mãe decide abortar) as consequências são bastante impactantes para ela em vários aspectos, especialmente em relação ao seu karma. Isso acontece independente da causa daquele aborto: seja uma gravidez indesejada ocorrida pelo famoso "descuido" do casal (e, sim, vale sempre lembrar que a mãe não faz filho sozinha, viu papais!!!), seja devido uma gravidez causada em uma mulher vítima de estupro. Se abortou ou se decidiu ter o bebê, a consequência virá de qualquer forma, como é tudo em nossa vida. Qualquer ação que tivermos, qualquer escolha que fazemos, gera uma consequência de maior ou menor importância. Quando falamos sobre a decisão de impedir que venha à provação NECESSÁRIA PARA O CRESCIMENTO uma pessoa, então temos que ter a consciência que não se trata de uma decisão sobre tema banal.

Antes de dar sequência, é importante dizer que a Espiritualidade com toda sua sabedoria, consegue identificar e segmentar todas as ações tomadas por alguém. Um casal que decide não ter um filho simplesmente pelo fato de terem se descuidado em uma noite de bebedeira, SABENDO QUE EXISTEM MÉTODOS CONTRACEPTIVOS, nunca será olhado da mesma forma que uma mulher menor de idade que fora estuprada e, deste ato violento e extremamente grave, ficou grávida e teve que abortar. Ou quando existe uma gravidez de risco e a mãe é OBRIGADA a abortar. Se nós, com todos nossos erros e limitações morais, temos consciência disso, a Espiritualidade Amiga que nos ampara sempre, tem entendimento muito próximo e já mais evoluído. 

Sabendo que a Espiritualidade tem esse entendimento diferenciado sobre as diversas causas que geram a decisão sobre um aborto, as consequências que o indivíduo levará para sua evolução são também diferenciadas. Vou usar como exemplo o caso ocorrido em Taguatinga/TO ano passado. Um homem de 24 anos de forma voluntária embriagou uma menor de 12 anos e a estuprou. Deste ato, a menor engravidou. Pelo nosso entendimento, quem estaria errado? A menor estuprada que decidiu abortar, ou o homem que, ciente de seus atos, a embebedou e a estuprou? Se a resposta é bastante clara para nós, para a Espiritualidade é ainda mais. 

A consequência que esta mulher estuprada teria por ter abortado, seria o fato de ter tirado de seu ventre um ser vivo. Quando ela crescer e se tornar mulher e quiser ser mãe, poderá pensar em como seria se não tivesse abortado. A consequência, portanto, é puramente reflexiva e não recai sobre a sua evolução enquanto espírito encarnado. 

A consequência que uma pessoa tem quando aborta pela simples vontade de abortar, especialmente tendo o conhecimento das mais diversas doutrinas espiritualistas, é crítica. Não há um padrão para dizer o que vai acontecer, mas existem inúmeros relatos que a Espiritualidade nos apresenta de consequências para essas pessoas (novamente lembro que são PESSOAS, no plural mesmo, pois quem abota não é a mãe, mas o pai também, além de todos que incentivam). Algumas pessoas reencarnam de forma quase vegetativa, sendo obrigadas a serem tratadas como bebês durante sua jornada carnal. Outras pessoas reencarnam com defeitos genéticos que as impossibilitarão de serem mães ou pais na atual encarnação, mesmo tendo muita vontade para tal.

Existe, no entanto, uma situação específica que cabe reflexão a respeito, sobre como a Espiritualidade Amiga trabalha de forma maravilhosa. Acabei de citar que algumas mães não conseguem engravidar e muitas outras engravidam, mas sofrem aborto espontâneo antes do parto. São situações de sofrimento realmente grande, mas se olharmos por um prisma espírita, vamos descobrir que essas mães com histórico de abortos espontâneos recorrentes, servem como invólucros para trabalho de ovoides. Um exemplo bastante conhecido, relatado no livro Ícaro Redimido, é o de Santos Dumont.

O Pai da Aviação, como todos sabemos, cometeu suicídio. Ele relata que ao chegar no Vale dos Suicidas, se sentiu tão desesperado que acabou definhando até voltar a a forma de ovoide (falaremos sobre o que é isso oportunamente). Santos Dumont era um ser de grande inteligência e com trabalho extremamente relevante para a Espiritualidade, então os mentores do Plano Astral utilizaram o espírito encarnado de uma mulher que teria como missão tentar ser mãe mas não conseguir (sim, por mais estranho que possa parecer, esta é uma missão Divina) para fecundar este ovoide durante 4 meses. Esses 4 meses de contato com o amor de uma mãe era o que aquele espírito precisava para conseguir sair da condição de ovoide e voltar a evoluir.

No caso acima, a mãe reencarnada que anteriormente realizara aborto, passou a se tornar um importante instrumento de trabalho para a Espiritualidade. E, apesar de todo o sofrimento, vale lembrar que ela aceitou esta condição antes de reencarnar.

Se o kardecismo possui os livros de Kardec como um norte, na Umbanda a situação é diferente. Sendo nossa sociedade uma eterna mutante em vários aspectos e a Umbanda uma religião moderna, não poderíamos nos apegar exclusivamente a o que livros com 200 anos diziam. A referência moral está lá e deve ser seguida, mas a dinâmica social tem que acompanhar as pessoas na atualidade e suas demandas. Sendo assim, a Umbanda vê o aborto de uma forma muito tranquila entendo que é, sim, uma mazela social que deve ser evitada em seu nascedouro (combater as situações que leva ao estupro e não condenar a estuprada - roupa curta NÃO É convite para assédio), mas não pode de forma alguma ser visto como um norte moral dentro da religião.

Logicamente a mulher que sofre um aborto (seja por qual motivo for) deverá ter um acompanhamento diferenciado e, sendo uma médium de trabalho, poderá ser afastada até que aquela condição esteja muito bem resolvida com ela mesma. Porém, não há como entendermos minimamente justo qualquer Pai ou Mãe de Santo julgar seus filhos que abortam os afastando dos trabalhos ou dando a entender que fizeram algo abominável. Será que justamente por estar em uma situação fragilizada (que seja por iniciativa pontual de uma falha moral) não seria a hora que fortalecer essas pessoas dentro da religião? Talvez uma conversa séria com preto Velho ou as instruções de um Caboclo possam ajudar a pessoa a entender tudo o que acontece relacionado àquela situação.

Não julguemos nossas irmãs que abortam, independente do motivo. Sejamos francos em nossas opiniões SE FORMOS QUESTIONADOS, mas, principalmente, sejamos fiéis a um dos principais fundamentos da Umbanda, que é o amor ao próximo. Especialmente quando o próximo precisa de ajuda.

Muto Axé para todos.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Homossexualidade na Umbanda

Li há pouco um texto de um Pai de Santo falando sobre a homossexualidade na Umbanda. O ponto de vista, logicamente, era de que não devemos condenar ninguém e todos devem ser vistos da mesma forma, inclusive podendo trabalhar no terreiro sem qualquer tipo de olhar diferenciado. O que me chamou a atenção, no entanto, era que segundo seu entendimento, o homossexual é alguém que luta contra seus instintos naturais de evolução. Eu achei um posicionamento estranho ao que aprendi e fui buscar auxílio com outras fontes e me deparei com um texto muito bem escrito, ao qual focarei no trecho específico:

"Mas as pessoas vão perguntar: Porém, a homossexualidade existe no plano físico e as entidades não tem um parecer à respeito?

Sim, eles nos trazem a informação que a homossexualidade nada mais é do que uma mudança de planos, uma resistência "disciplinar", que o espírito assume assim que tem o ganho consciente de sua sexualidade no físico".

Eu fiquei intrigado com duas opiniões parecidas e tão frontalmente contra aquilo que eu acho que seja o certo (claro que a minha visão sobre o que é certo é a MINHA e de forma alguma quero ser o dono da verdade, então respeito qualquer ponto de vista contrário ao meu). Segundo uma das teorias, um espírito que passou suas últimas encarnações sendo mulher acabou sofrendo nas mãos de um homem e na sua última encarnação não conseguiu se librar do sentimento de raiva dos homens; por isso, na atual reencarnação foi dada a ela a oportunidade de encarnar como homem para entender como os homens agem. Indo contra esta "missão" de Deus, aquele espírito volta às suas impressões anteriores e passa a ser um espírito feminino em corpo masculino.

Sobre esse trecho, devo admitir que discordo em tudo. Primeiro porque parece que "reencarnar para ver como é ser homem" é a mesma coisa que generalizar as pessoas. O que faz um homem ser referência é sua orientação sexual ou suas atitudes? Os homens não são todos iguais simplesmente porque as pessoas são completamente diferentes uma das outras, então não tem como "saber o que é ser homem" simplesmente por ter nascido com um pênis. Hitler era homem e Jesus também. O pensamento é simples, mas eficaz.

Outro motivo de minha respeitosa discordância é afirmar que existe uma resistência disciplinar do espírito que foi programado para nascer homem ou mulher. Ora, ser homossexual é falta de disciplina Pensar nisso é disfarçar uma forma de preconceito com palavras bonitas, porque disciplina é fazer tudo aquilo que é certo, é evoluir como pessoa através das atitudes, e não se enxergar como homem estando no corpo de uma mulher, por exemplo. E se formos levar a ferro e fogo que realmente ser homossexual é uma forma de indisciplina, então aceitar um homossexual seria errado, pois qual é o Pai ou Mãe de Santo que se sente bem em aceitar quem é indisciplinado o tempo todo? Não vejo como entender tal afirmativa como verdade, independente do prisma a ser observado.

Recorrendo a Allan Kardec, em seu Livro dos Espíritos, é dito que Deus não criou dois tipos de espírito: homem e mulher. Deus criou o espírito do indivíduo, e a forma como é visto sua manifestação sexual (e até de gênero) é algo estritamente mundano, não tendo qualquer influência espiritual. 

Emmanuel, também no Livro dos Espíritos, é categórico: "A homossexualidade, também hoje chamada transexualidade, em alguns círculos de ciência, definindo-se, no conjunto de suas características, por tendência da criatura para a comunhão afetiva com uma outra criatura do mesmo sexo, não encontra explicação fundamental nos estudos psicológicos que tratam do assunto em bases materialistas, mas é perfeitamente compreensível, à luz da reencarnação".

Como sempre digo, a Umbanda é uma religião que sempre acompanha as mudanças da sociedade, por isso é moderna como deve ser. Não há como nos apegarmos a tendências pessoais antigas que vieram esculpidas pelos preconceitos de nossos antepassados e replicar nos dias atuais sem questionar. Vale lembrar que até pouco tempo a escravidão era permitida no Brasil e que em muitos lugares do mundo a mulher não podia votar. Hoje ninguém mais acha que isso era certo e que deva voltar a existir, então porque admitir que ser homossexual é algo que impede a evolução da pessoa?

Não apenas a homossexualidade, mas a Ideologia de Gênero estão presentes em nossa sociedade, e devemos respeitar todos nossos irmãos e irmãs como eles se veem e se entendem enquanto pessoas. Além de não podermos aceitar qualquer tipo de preconceito, temos o dever de lutar contra essas situações. Somos umbandistas trabalhando para Deus sob a regência de nosso Pai Oxalá, e é isso que realmente importa.

Axé meus irmãos e irmãs.