Se tem uma pergunta que a maioria dos umbandistas se faz quando inicia na religião é "quem é meu Orixá?". O questionamento é bastante normal por diversos motivos, desde uma mera curiosidade até mesmo em questões mais importantes, como saber a forma de cuidar de um Orixá por exemplo.
Quando iniciei na religião não era tão comum as pessoas terem esse interesse. Exceção feita aos dirigentes dos terreiros que precisavam, sim, saber quais orixás regiam suas coroas, os demais filhos de santo raramente sabiam. O que existe hoje mais latente em vários terreiros, que é o culto aos Tronos da Umbanda, já existia de forma prática. Por exemplo, se um umbandista precisava de uma auxílio inerente a justiça, ele recorria a Xangô. Se fosse algo inerente a lei, era a Ogum que ele solicitava ajuda. A relação entre médium e orixás era algo bastante leve, sem a obrigatoriedade de fazer isso ou aquilo ou agir desta ou daquela forma porque a coroa da pessoa respondia a determinado Orixá.
Com o passar do tempos, Umbanda e Candomblé se aproximaram mais e o culto aos orixás, que é algo muito importante dentro de toda liturgia candomblecista, passou a ficar mais enraizado nos terreiros de Umbanda. Assim os umbandistas passaram a focar mais nos Orixás que regem suas coroas. Como essa aproximação com nossos irmãos do Candomblé que gerou essa vontade, muitos umbandistas recorreram ao oráculo divinatório utilizado pelos babalorixás: jogo de búzios.
Eu respeito quem utiliza os búzios para descobrir seus orixás (eu mesmo joguei umas 3 vezes só pra confirmar que sou filho de Oxóssi), mas precisamos entender que são práticas completamente distintas e pode acontecer o que chamamos de ruído nas informações. Esse ruído ocorre porque a pessoa que joga os búzios está toda fundamentada no Candomblé (como tem que ser), mas a ela é solicitado verificar a coroa espiritual de alguém que está professando sua fé em outra religião, então se a pessoa que joga não for muito bem firme em verificar que se trata de um atendimento para um umbandista, a jogada não tem qualquer valia.
Eu já presenciei inúmeros casos (vários mesmo) que foi feita uma jogada de búzios com a mão no Candomblé para que pudesse ser descoberto o orixá de um umbandista. Um dos casos que gosto de citar é de um antigo conhecido que após sua tirada de búzios, descobriu que sua coroa era regida por Oxumaré. No terreiro que esse amigo trabalhava não existia culto a Oxumaré simplesmente pelo fato de não ser um Orixá cultuado na Umbanda (Oxumaré dá suporte no Trono do Amor à Oxum). Ele ficou sem saber como cuidar daquele orixá que o acompanharia para o resto da vida. Buscava vários terreiros, mas nenhum cultuava Oxumaré. Ele só conseguiu acalmar o coração quando fez o que deveria ter feito desde o começo: confiar nos guias chefes do terreiro que trabalhava e, acima de tudo, confiar no que os guias que trabalhavam com ele diziam. No final das contas ele era filho de Oxóssi, não de Oxumaré.
Se uma simples curiosidade causou um desequilíbrio em uma pessoa que tinha relativo conhecimento, imaginem o que não poderia acontecer em alguém que acreditasse cegamente no que os búzios falam? Não podendo cultuar um Orixá que não é firmado na Umbanda, a pessoa pode se afastar da religião ou, pior ainda, cultuar o que não conhece de uma forma irresponsável, mexendo com energias que certamente não consegue lidar.
Algumas pessoas me perguntam o porque no jogo de búzios sai uma informação errada. Na verdade, não existe resposta errada, o que existe são perguntas erradas. No exemplo que eu citei acima, se esse amigo algum dia se afastar da Umbanda e for aceito no Candomblé, então sua coroa será de Oxumaré. Esse que é o grande problema da situação: ver a coroa de uma pessoa em uma religião enquanto ela pratica outra.
Outra questão que preciso esclarecer é que não existe esse negócio de "definir Orixá nos búzios". Quando alguém encarna e decide ser umbandista, a sua coroa já está definida e não há búzios ou qualquer outro tipo de oráculo que vai mudar isso. Tanto no Candomblé quanto na Umbanda, o jogo de búzios apenas informa aquilo que já está consagrado pela Espiritualidade.
Um umbandista não precisa recorrer aos nosso irmãos do Candomblé para saber qual é o exu que vai trabalhar com ele. Há algo mais bonito do que deixar que o Guia se manifeste e através disso converse com o médium e se apresente para começarem a trabalhar? Agora imagine só se uma pessoa tem o acompanhando a força de Exú Marabô, por exemplo, mas no jogo de búzios apareceu que é Exu Tiriri. O médium estará completamente induzido a trabalhar com uma força achando que é outra, o que não é algo interessante para acontecer, porque podem ser linhas completamente distintas.
Eu acho que muito umbandista tem o famoso "complexo de vira-lata" em relação ao Candomblé, achando que tudo o que vem de nossos irmãos candomblecistas é regra para todos. Não é! Candomblé dita as regras para os trabalhadores do Candomblé, e a Umbanda para os trabalhadores da umbanda. Reconhecer isso não é faltar com o respeito, mas saber nos colocar enquanto religião puramente brasileira e linda em suas distinções com outras religiões. Eu acredito que devemos cada vez mais firmar nossos rituais dentro dos conceitos e premissas umbandistas para deixarmos de lado essa inferioridade que parte dos irmãos em Oxalá ainda sentem.
Axé
Excelente texto, muito fácil de se ler e com um conteúdo bastante fácil de se diluir.
ResponderExcluirNeste contexto também incluiria a questão do achismo e indução através do que falam. (fulano falou que eu tenho guia tal, trabalho com tal pq sou filho de tal orixá, a energia que eu senti e de um malandro e não de um zé pelintra assim eu trabalho com malandro etc...........
"Há algo mais bonito do que deixar que o Guia se manifeste e através disso converse com o médium e se apresente para começarem a trabalhar?" acho fantasístico ver a evolução do médium passo a passo ou como diz alguns guias "pé por pé.
Exatamente irmão...
ExcluirMuito bom esse texto!
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