quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Pai Joaquim de Angola


Se existe uma linha de trabalho que amo é a dos Pretos Velhos. Sempre tive uma admiração enorme pelos vozinhos e vozinhas por vários motivos: desde a forma de trabalhar, com a serenidade que lhes são comuns, até pela tranquilidade que eles nos passam de uma forma completamente natural (lembro que costumava dizer que eles tinham chá de camomila no sangue). Com todo o respeito e admiração que tenho por rigorosamente todos os guias que atuma nessa linha, incluindo Pai Tonico, o qual tenho a honra de trabalhar em parceria, um Preto Velho em especial sempre me chamou a atenção de uma forma diferente: Pai Joaquim de Angola.
  
Meu falecido ex-sogro e Pai de Santo, Joaquim Correa (sim, olhem as coincidências nos nomes) trabalhava com as forças de Pai Joaquim de Angola. Lembro até hoje a primeira vez que ele se manifestou em seu aparelho, arcando seu corpo aos poucos até ficar completamente curvo, mostrando e demonstrando (ele sempre foi um grande professor) todo o peso do conhecimento empírico que é comum aos guias desta falange. Costumava cantar seus pontos de força com a tranquilidade na voz que apenas aqueles que estão cobertos de serenidade conseguem. Fazia questão de colocar minha filha Yasmin aos seus pés para ensinar o que estava fazendo e ter grandes e proveitosas conversas com ela. Seu meio coco como cuia estava sempre embebido em cachaça, mel e um ramo de arruda. Conversar com Pai Joaquim era uma verdadeira oportunidade de crescimento.

A história do falangeiro desta linha (o Joaquim de Angola “original”, o qual doutrina todos os demais guias para atendimento em seu nome) é bastante interessante e reflete como seria seu trabalho na Umbanda anos após seu desencarne. Nascido em uma pequena aldeia de Angola (onde hoje é localizada a cidade de Lobito), foi escravizado e trazido para o Brasil pois apresentava uma condição física diferenciada, além de ter vários filhos (os colonos enxergavam os escravos robustos e com vários filhos como se fossem verdadeiros reprodutores, tamanho preconceito e destrato). Apesar de jovem (sua idade beirava os 30 anos nesta época), Joaquim (que não era o verdadeiro nome dele, vale a pena lembrar) era uma pessoa com grande conhecimento na manipulação das ervas e utilizava esse conhecimento não apenas para promover curas medicinais (o que era relativamente comum entre os escravos), mas principalmente para trabalhos espirituais.

Com o tempo, ganhando a confiança de todos seus semelhantes, passou a ser o curandeiro oficial de seu quilombo, o que chamava a atenção de todos, inclusive dos colonos. Quando a medicina convencional não dava conta de alguma enfermidade, levavam para que aquele sábio escravo pudesse fazer suas rezas e mandingas, visando a cura. Essa prática o fez conhecer mais de perto vários de seus algozes sociais (os colonos que apoiavam a escravidão) e a fé que cada um deles carregava na Igreja Católica e Jesus Cristo. Apesar de não ter se convertido a qualquer religião, Joaquim passou a querer conhecer mais e mais sobre a história daquele carpinteiro que até seus 33 anos conseguiu mudar o mundo que todos vivem. A partir daí sua admiração pelo Mestre Jesus ficava mais evidente.

Seu desencarne ocorreu de uma forma bastante trágica, quando não pôde curar a filha de um importante fazendeiro, que na época era seu “dono” (sim, os escravos oficialmente tinham donos, por mais absurdo que isso possa parecer). Aquela criança tinha traçado em seu destino uma doença que iria lhe custar a vida e não haveria nada e nem ninguém que pudesse mudar aquilo. Após o falecimento da criança, Joaquim foi açoitado até a morte, sofrendo na carne e na alma todo ódio que consumia aquele colono.

Ao chegar ao Plano Astral, ainda envolto aquela sensação de dor, esbravejava perguntando aonde estava Deus, que lhe deixava desamparado pela vida toda. Aonde estaria a tal Paraíso, que tanto falavam? A revolta era muita e ali ele permaneceu por tanto tempo que não conseguiria sequer medir se foram horas, dias, semanas, anos ou décadas. Quando sua ira abrandou, pediu em oração que Deus pudesse lhe acudir, porque não poderia ficar ali sozinho, sem poder ajudar mais ninguém. Queria ser útil mesmo após desencarnado. Nesse momento Joaquim sentiu alguém lhe tocando as mãos; era Jesus Cristo que veio pessoalmente a pedido do Pai Maior escoltar para sua futura e definitiva morada (Aruanda) aquele que seria um dos seus mais simbólicos e importantes trabalhadores: a partir daquele momento, dava início o processo dentro da Umbanda do, agora sim Pai, Joaquim de Angola.

Pouco se sabe (e nada de realmente pontual foi dito para mim nesse estudo) sobre as práticas que Pai Joaquim aprendeu em Aruanda, mas sabemos que se encarnado ele possuía o dom para manipulação das ervas, enquanto trabalhador da Umbanda ele passou a ser o maior entre os maiores manipuladores das energias contidas na natureza. Por ter sido o primeiro Preto Velho a ter a oportunidade de criar uma falange para trabalhar na Umbanda, atualmente é a maior falange existente (dificilmente entramos em algum terreiro e não tem ali pelo menos um Pai Joaquim de Angola). Todos os guias de sua falange possuem um grande conhecimento sobre os assuntos inerentes a magia, então “o que Pai Joaquim de Angola faz está feito”, como diria o velho dito sobre ele.

O conhecimento de magia não se limita a magia branca, mas também o conhecimento do todo tipo de magia de baixa vibração (ou magia negra). É claro que nunca, sob hipótese alguma, qualquer guia da Umbanda (especialmente os Pretos Velhos) fariam trabalhos de magia nega, mas para combater é preciso conhecer. Esse conhecimento veio através de uma das parcerias mais antigas na Espiritualidade: Exu e Preto Velho. Sim, Pai Joaquim de Angola é considerado mandingueiro e tem essa alcunha por ser um grande conhecedor da magia de Exu. Se hoje é relativamente comum escutarmos que determinado guia “veio virado”, isso só ocorre porque em algum momento Pai Joaquim de Angola decidiu aprender com os Exus e foi humilde o suficiente para chamar seus compadres quando necessário durante qualquer trabalho.

Eu disse que Pai Joaquim de Angola não era necessariamente Joaquim. Seu nome enquanto encarnado pouco importa e só contribuiria para enaltecer a matéria, e não seu trabalho espiritual. Aquele falangeiro decidiu usar o nome Joaquim, por várias referências, entre elas o significado da palavra Joaquim, que é algo como “aquilo que Deus estabelece”. Pai Joaquim de Angola, portanto, é um mensageiro que traz aos terreiros de Umbanda tudo aquilo que o Pai Maior determina.

Ah, outra curiosidade: sabe quando chamamos os Pretos Velhos de vozinhos? Então, é “culpa” de Pai Joaquim de Angola. Segundo alguns estudiosos, Joaquim seria o nome do avô de Jesus (São Joaquim), por isso é considerado o “avô de todo os santos”. Como se manifestou como Pai Joaquim de Angola, as pessoas trouxeram este conceito católico (Joaquim = avô) para nossa amada religião.

Eu aconselho muito a todos os leitores que puderem, se consultar com algum guia que atua na falange de Pai Joaquim de Angola. É uma experiência única e maravilhosa absorver um pouquinho que seja do conhecimento e do axé dessa linha. Todo meu amor e respeito ao avô dos avôs. Adorei as almas.

Quer apender a fazer um trabalho de Preto Velho? Então vamos lá:

A firmeza abaixo deve ser feita preferencialmente no terreiro onde a pessoa frequenta/trabalha, porém, dependendo da situação pode ser entregue em algum cruzeiro (lembrando que é Obaluaiê quem rege esta linha de trabalho) ou, se a pessoa já tiver familiaridade com firmezas espirituais, pode ser realizada em casa mesmo.

Ingredientes:

1 Alguidar médio
Café em grãos
1 turmalina negra
1 ametista
21 contas de Nossa Senhora
1 fumo em corda
1 cachimbo (com fumo dentro)
1 xícara com café
Incenso de guiné
1 vela de sete dias cruzada (preta e branca)

Montagem:

Coloque os cafés em grãos no alguidar;
No meio do alguidar coloque a vela de 7 dias;
Do lado direito coloque a turmalina;
Do lado esquerdo coloque a ametista;
Circule com as lágrimas de Nossa Senhora;
Coloque o pedaço de fumo aonde quiser, de preferência em lugar que fique bonito ao olhar;
Do lado de fora do alguidar coloque a xícara com o café;

Quando a vela de sete dias terminar, você pode trocar e deixar a firmeza “sempre acesa”, colocando outra velha de sete dias. Se não conseguir, acenda uma vela palito pelo menos uma vez por semana.

Sempre que firmar a vela (seja de sete dias ou palito), acenda o cachimbo e de três baforadas, se concentrando naquilo que quer pedir. O cachimbo pode ficar ao lado da xícara de café sem problemas.

Pronto, um ritual bastante simples, mas de muita força se for feito da forma correta. Entre em contato com o Preto Velho que te protege. Entre em contato com esse lindo trabalhador de Deus.

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