domingo, 30 de setembro de 2018

Estudo Sobre a Esquerda - Parte 2


Esquerda e a Evolução Espiritual

A escritora Janaina Azevedo Corral em seu estudo O Livro da Esquerda na Umbanda fala sobre o papel das entidades que incorporam na Umbanda. Quais seriam essas entidades? Algumas pessoas dizem que são as mais evoluídas em comparação a nós, enquanto outras pessoas alegam que são entidades que estão prestes a entrar no que chama de “nível Divino”, onde se dissociariam de seus corpos (inclusive os plasmados) e se transformariam em energia pura. Muitos estudos atribuídos à nossa Espiritualidade, dão conta que os guias espirituais são divididos em Graus, onde os primeiros (1º, 2º e 3º) seriam seres com energia muito forte, de impossível incorporação, enquanto um guia de nível 4º seria um guia muito raro de se incorporar e, quando isso acontecesse é rápido. Esses guias de 4º nível seriam os falangeiros. Os guias mais comuns a se manifestarem na Umbanda seriam os de nível 5, 6 e 7 e, ainda assim, em divisões de linha de trabalho (Preto Velho seriam do nível 5 e caboclos do nível 6, enquanto outras entidades estariam no 7º nível).

Esse pensamento, porém, apesar de ter certa lógica de raciocínio por tentar enquadrar a espiritualidade em conceitos que nós, encarnados e cheios de erros temos como referência, mostra um certo preconceito com outras religiões, em especial o Candomblé, onde a incorporação de Guias de 4º nível e acima se dá de forma relativamente comum. Além disso, temos que entender que existe, sim, uma facilidade maior da incorporação de determinados guias (ou linhas de trabalho, que seja) por parte de uma maior ou menor experiência do médium, ou de uma determinada missão espiritual daquele médium e até mesmo do guia que vai lhe acompanhar. Não acredito que um Preto Velho seja mais ou menos evoluído que um Erê ou um Caboclo.

Quando levamos este conceito para a Esquerda, o preconceito (e digo esta palavra com entendimento literal da mesma) é ainda maior. Ainda temos pessoas que confundem um Exu com kiumba (espíritos de baixa vibração com quase nenhuma moral). Todas as entidades da Umbanda, sejam da Direita ou da Esquerda, buscam evolução e possuem, desta forma, um forte compromisso com a Espiritualidade Superior. Todos trabalham no âmbito do perdão e da misericórdia, porém baseado no conceito da “ação e reação”, da fé e especialmente do equilíbrio.

Em conversa com Preto Velho, me foi dito que todos os guias estão, sim, em um grau de evolução maior que o nosso, porém o que os diferencia não é uma escada na evolução espiritual, mas sua missão perante a Espiritualidade. Cabe aos Caboclos a manipulação de todo os elementos energéticos para que consigamos prosperar espiritualmente, para que nossos caminhos sejam abertos. Aos Pretos Velhos cabe o aconselhamento espiritual para que possamos encontrar, se seguirmos esses ensinamentos, a plenitude. Um Preto Velho não é mais nem menos evoluído que um Caboclo, então. São trabalhadores da Espiritualidade, cada um com uma missão distinta.

Aos trabalhadores da Esquerda, foi dada a incumbência de atuarem mais próximos a nós, fazendo com que nós nos equilibremos perante a Espiritualidade, baseado nas ações que tivermos. Os Exus são parte essencial da “ação e reação” que comentei, porém em tudo que é baseado estritamente em nossos atos no Plano Material. Sem a atuação firme de Exu, não existiria equilíbrio algum entre nossas ações enquanto seres encarnados e as consequências enquanto espíritos em evolução.

Imagine alguém que reza todos os dias para o bem das pessoas. Alguém que não maldiz o próximo e que louva a Deus de uma forma real. Imagine que esta mesma pessoa, quando sai do que chamamos de “momento espiritual” (as orações, por exemplo) pratica atos, mesmo que de forma involuntária, que prejudicam as pessoas. Esta pessoa está em harmonia com a Espiritualidade, mas precisa que seus atos gerem consequências para que ele consiga se equilibrar e evoluir. Exu garante que isso aconteça.

Exu e Pomba Gira são bastante ligados ao pecado, e essa ligação tem certo fundamento, não com a Entidade em si, mas com o que nós entendemos como pecado, seja de uma forma didática cristã (que é o que rege a sociedade de quase todo umbandista), seja pelos conceitos de pecado que estão enraizados no subconsciente de quase todo mundo. Pecar seria realizar os Sete Pecados Capitais e também não seguir os Dez Mandamentos. Vamos lembrar da catequese?

Sete Pecados:

Luxúria: sexo pelo simples prazer do ato, sem vislumbrar a procriação;
Gula: comer além daquilo que se precisa para sobreviver;
Avareza: enriquecer (ou tentar) ao acumular dinheiro e bens materiais;
Inveja: cobiçar as coisas do próximo;
Orgulho: sentir orgulho ou bem-estar consigo mesmo, a ponto deste sentimento ser o guia da sua vida;
Preguiça: descansar mais que trabalhar;
Ira: sentir raiva por qualquer motivo que seja.


Os Dez Mandamentos:

1   1  Amarás a Deus sobre todas as coisas (e não terás outros deuses);
2  Guardarás seu Santo Nome e não o dirás em vão;
3  Guardarás domingos e dias santos;
4  Honrarás pai e mãe;
5  Não matarás;
6  Não pecarás contra a castidade;
7  Não roubarás;
8  Não levantarás falso testemunho;
9  Não cometerás adultério;
1  Não cobiçarás as coisas alheias.

Desta forma, podemos entender que quase tudo que consideramos humanos entra nesta lista do que transforma alguém em pecador. Poucos são os quesitos que mostram de forma clara o que seria errado: não matarás, não levantarás falso testemunho, etc. Para nos enquadrarmos em todos os quesitos acima, teríamos que nos privar da vida mundana e vivermos em isolamento total de uma sociedade já corrompida.
Os umbandistas, no entanto, apesar de terem uma forte base cristã, especialmente entre os mais antigos e aos que “migraram” do Kardecismo, diferem em vários aspectos dos conceitos cristãos-católicos-protestante:

  • O sexo é algo sagrado e a união entre duas pessoas é abençoada (mesmo não tendo qualquer intuito de procriação);
  • A comida em fartura faz parte das cerimônias (tantas e tantas festas são repletas de pratos típicos, os quais são servidos aos médiuns e à assistência);
  • Vivemos em uma sociedade de consumo (e isso independe de nós), então guardar algum dinheiro não é apenas normal como uma necessidade;
  • Sentir orgulho nos faz enaltecer nossa identidade e nossa cultura, o que nos permite tranquilamente dizer que pertencemos a uma sociedade;
  • O descanso é tão merecido quando o trabalho, e o equilíbrio entre ambos nos torna completos;
  • As batalhas (e não a violência) são necessárias para alcançarmos todos nossos objetivos. Ogum, inclusive, é o “Senhor da Guerra”;
  • Além de Deus (que, sim é único e a tudo rege) também cultuamos os Orixás;
  • Todo dia da semana é sagrado para os Umbandistas, então, não dá para guardar todos eles e se dedicar apenas à religião: temos vida, trabalho, família e tudo o que faz parte do nosso dia a dia e que também é sagrado.


Há de se entender que, mesmo com essas divergências frontais entre o umbandista e o cristão tradicional, a sociedade que vivemos também não leva a ferro e fogo tudo o que a Bíblia diz, porém os conceitos básicos cristãos estão enraizados no que podemos chamar de “Moral Cristã”. Essa moral não é algo individual, mas cabe a toda a sociedade. Por exemplo: toda sociedade sabe que é errado roubar, matar, falar mal do próximo, desrespeitar pai e mãe. Independente de existir uma Lei formalizando isso, fato é que se tratam de conceitos morais que todos sabemos que devemos seguir, sendo cristãos, umbandistas, islamistas, ateus, etc.

A Espiritualidade Amiga que guia os umbandistas tem um alto grau de evolução (o menos evoluído de lá é mais evoluído que qualquer um de cá), porém sabe que nós ainda estamos nos primeiros passos de nossa evolução, então não seria certo que eles “cobrassem” uma conduta moral de nós baseado na evolução que eles têm. A Espiritualidade sabe qual é o tipo de sociedade que vivemos e cobra que sejamos corretos mediante aquilo que conhecemos e que podemos, sim, decidir fazer algo de certo e de errado mediante esses conceitos existentes.

Os guias de Esquerda (em especial os Exus) têm perante a Espiritualidade a missão de nos acompanhar para que consigamos colher tudo aquilo que plantamos, conforme o conceito social do que é certo e do que é errado. Esta missão é de grande importância, pois garante o verdadeiro equilíbrio do homem perante vida e a Espiritualidade. O conceito amplamente conhecido de que uma pessoa sob hipótese alguma vai viver sua atual encarnação “involuindo” só existe pela atuação de Exu. Se os passos errados que alguém dá não tivesse uma consequência certa, aonde estaria a evolução espiritual dessa pessoa, que fosse pelo aprendizado através do erro?

Exu, portanto, não é menos evoluído que Preto Velho ou Caboclo. Exu tem um trabalho a ser executado diferente dessas outras linhas.

A EVOLUÇÃO DO EXU

Já vimos que perante a Espiritualidade, Exu não tem um desenvolvimento maior ou menor que outras linhas de trabalho, mas sim funções distintas. Dito isso, precisamos sempre lembrar que todo Guia de Luz que trabalha na Umbanda é um indivíduo e possui, desta forma, seus anseios particulares de evolução e, sendo assim, cada um tem uma missão específica.

Eu gosto sempre de utilizar comparações entre Preto Velho e Exu, porque são linhas que apesar de trabalharem juntas, são opostas no que tange à missão que cada uma possui. Utilizando o exemplo dos nosso amados vozinhos e vozinhas, a maioria deles sofreram em vida o flagelo na carne, sendo escravos, e passaram por esta missão (não duvidemos que tudo o que de “ruim” passamos, é uma missão) de uma forma tranquila e serena, sendo já enquanto encarnados algo parecido com o que conhecemos deles no Plano Espiritual. Eu entendo o trabalho dos Pretos Velhos como uma consequência natural de sua vida carnal. Os guias que atuam na linha dos Pretos Velhos (não os falangeiros) também possuíam características parecidas.

Quando analisamos o passado carnal dos falangeiros na linha dos Exus e dos guias que incorporam nos terreiros, percebemos que existe um ponto de convergência em todas as histórias: pessoas que praticaram atos questionáveis quando encarnados. Alguns desses atos foram coisas realmente fortes, como assassinatos e tortura.

Quando essas pessoas desencarnavam, além de sofrerem as mazelas espirituais que certamente os esperavam eram cercadas por espíritos que garantiam que isso fosse acontecer da forma correta. Após entenderem que eram seres que haviam feito coisas extremamente erradas e condenáveis sob vários aspectos, a eles eram dada a possibilidade de reencarnar para que pudessem “espiar” e pagar por tudo aquilo que fizeram na última reencarnação (olha o equilíbrio aí de novo), ou em alguns casos, era apresentada a possibilidade de utilizar o conhecimento da maldade que professaram enquanto encarnados, porém para trabalhar junto a Espiritualidade Amiga, justamente para prever, punir ou reverter atos semelhantes causados por encarnados. Em resumo, seria como um criminoso pudesse ter a oportunidade de ser contratado pela polícia para ajudar a prever e resolver crimes que ele sabia como praticar.

Enquanto um Preto Velho entrava em uma sequência natural de sua vida encarnada, o Exu fazia justamente o contrário, deixando de ser um ser de moral discutível para se tornar um “policial” da Espiritualidade. As características de sua forma de atuação são bastante distintas dos demais guias espirituais em diversos aspectos e pelos mais variados motivos. As principais diferenças e razões para isso são:

DIFERENÇAS
MOTIVOS
São mais truculentos e as vezes parecem ser até mesmo agressivos.
São indivíduos que ainda trazem em seu comportamento reflexos de quando encarnados. 1
Cobram atitudes certas dos médiuns a todo momento, muitas vezes sequer os perdoando por eventuais falhas.
Por terem a missão de serem executores, não cabe a eles o perdão (o “perdão” é concedido de forma natural a partir do momento que o médium “sofre” as consequências de seus atos). A cobrança existe, pois, apesar de serem Guias Espirituais com uma missão específica, são indivíduos, então isso pode ocorrer por reflexo da personalidade daquele guia em específico. Por isso muitas vezes guias com o mesmo nome de falange agem de forma distinta.
Via de regra os médiuns sentem mais a presença dos guias de Esquerda do que outras linhas de trabalho.
Os guias de Esquerda estão na faixa vibracional imediatamente próxima a nossa, então temos essa facilidade pela aproximação. Vale ressaltar que não é uma aproximação por afinidade espiritual.
É mais comum os guias da Esquerda trabalharem em assuntos de desobsessão e descarregos.
Por estarem mais próximos a nós, estão de forma automática mais próximos aos espíritos obsessores que nos cercam. Além da missão de trabalhar com os médiuns e os encarnados de forma geral, também cabe aos Exus a atuação como executores do carma inclusive dos desencarnados, sendo deles a responsabilidade do início do resgate dos irmãos desencarnados.
Atuam de forma mais assertiva em assuntos relacionados à matéria (dinheiro, abertura de caminhos, etc).
São trabalhadores espirituais voltados ao equilíbrio, sendo deles a responsabilidade de nos trazer o equilíbrio material (vivemos em uma sociedade a qual precisamos de condições mínimas de sobrevivência), em contraponto ao espiritual. 2
Atuam de forma mais assertiva em assuntos relacionados a sexo e relacionamento.
Especificamente as Pomba Giras são guias espirituais que atuam na energia do sexo, o que entendemos ser fundamental para qualquer pessoa, sendo parte da energia vital do todo indivíduo. O desequilíbrio da energia sexual pode causar diversos problemas para as pessoas. 3


Algumas dessas características fazem com que os guias da Esquerda sejam considerados como os maiores trabalhadores da Umbanda. Tal frase tem certa verdade, e essa assertiva se dá pelo fato deles serem os responsáveis por atender às questões imediatas dos encarnados, mas, além disso, existe o fato dessa diferença na evolução do indivíduo que trabalha como Exu, por exemplo, em contraponto aos guias de Direita.

Todos os guias da Esquerda recebem a missão de trabalhar para a Espiritualidade utilizando seus conhecimentos para trazer o equilíbrio às pessoas, fazendo com que elas colham aquilo que plantaram, seja algo bom ou não. Além dessa missão da linha de trabalho, cada um dos indivíduos possui um carma pessoal a ser cumprido, e para isso há de se analisar o que cada um fez enquanto encarnado e o que tem que realizar agora como trabalhador da Espiritualidade. Essa condição que os transforma em trabalhadores que precisam, sim, atuar de forma mais ampla que outros Guias. Se ao Preto Velho cabe atender quantas pessoas o procure para aconselhamentos e situações similares, atuando de uma forma que sua evolução espiritual é consequência de seus atos enquanto encarnados, ao Exu ou a Pomba Gira existe a necessidade de atuar de forma completamente oposta ao que eram em vida carnal. Justamente por isso existe uma necessidade maior de atuação.

A reversão deste carma, no entanto, não é algo simples e subjetivo ao indivíduo como acontece quando reencarnamos. A pessoa quando reencarna não sabe o que deve “sofrer em vida” para pagar o carma de encarnações anteriores. Um Exu, por exemplo, sabe o que fez de errado e aceita “pagar sua dívida” trabalhando para a Espiritualidade, porém como é um indivíduo, é dado a ele um número específico de situações que deve realizar para que posso no mínimo zerar sua pendência cármica.
Vejamos um exemplo prático: um barão de café que vivia em Minas Gerais em meados do Século XVI maltratava seus funcionários e escravos. Muitos morreram pelos mal tratos. Perto dos seus 70 anos, ele descobriu que sua esposa, a qual amava muito, tinha um caso com um capataz. O tal barão assassinou o funcionário com sete facadas. Após morrer, foi dado a ele a oportunidade de trabalhar para a Espiritualidade como Exu na religião que ainda seria anunciada aos povos. Ele assumiu a responsabilidade e adotou o nome de Exu Sete Facadas. A Espiritualidade, no entanto, disse que além da missão de ser Exu, ele deveria trazer das trevas para a Luz Divina 100 pessoas para cada escravo que morreu pelos seus mal tratos, além de 1.000 pessoas para cada facada que proferiu em seu capataz.

Vamos imaginar que o barão tivesse sido responsável indireto pela morte de 80 escravos. Ele teria que pagar a dívida de 8.000 resgates por este carma e mais 7.000 pelas facadas. No todo, Sete Facadas teria que ser o responsável pelo resgate de 15.000 almas.

Chegamos, então, em um ponto que deve ser bastante analisado, que é o fato do falangeiro poder ou não poder trabalhar diretamente nos terreiros para cumprir seu carma. Se analisarmos o caso de Seu Sete Facadas, por exemplo, vemos que ele desencarnou perto de 1700. Seu resgate deve ter ocorrido perto de 1800. A Umbanda foi anunciada em 1908, mais de 100 anos após. É certo que nesse meio tempo Seu Sete Facada já atuava junto a Espiritualidade para o resgate de almas envoltas nas trevas e à parte dessas almas ele dava a mesma oportunidade que teve e as convidava para trabalhar como Exu. Quando a Umbanda foi anunciada, não apenas Sete Facadas mas todos os demais Exus e Pomba Giras tiveram a oportunidade de colocar seus “soldados” (almas resgatadas que atuavam com seu nome e com suas regras) para atuar de forma incorporada aos médiuns, visando o atendimento aos assistidos das diversas casas, para que suas missões espirituais pudessem ser cumpridas e seus carmas fossem “pagos”.

Mas se o falangeiro não incorpora, como ele pode atuar para cumprir seu carma pessoal? A resposta é tão simples quanto parece ser: o trabalho que começa num terreiro termina no Plano Espiritual. Quando um Exu faz uma “puxada” em um médium que está sendo acompanhado por um obsessor, ele leva aquele irmão sofredor ao Plano Espiritual para que ele possa ser tratado e, aí sim, dependendo do caso e com a permissão divina, o falangeiro pode atuar de forma pontual.
Inúmeros estudos e ensinamentos vindos diretamente da Espiritualidade dizem que os primeiros falangeiros da Umbanda sequer são os mesmos (veremos mais adiante o porque) e os mais antigos já estão no limite do resgate de seu carma, portanto atendem à poucas demandas de seus subordinados, deixando que eles trabalhem de forma mais direta e com isso consigam evoluir cada vez mais.

sexta-feira, 28 de setembro de 2018

Estudo Sobre a Esquerda - Parte 1

De cada 10 pessoas, 11 me perguntam coisas sobre a linha dos Exus ou das Pombogiras. Por ser uma linha de trabalho mal compreendida, acabam surgindo dúvidas e mais dúvidas e essas dúvidas, quando mal explicadas acabam criando o que eu chamo de "achismo instituído" (que é quando algo que a pessoa acha acaba se tornando a "sua verdade" e isso é passado de boca em boca até virar uma pseudo-verdade). 

O pior de tudo é quando essas dúvidas mal esclarecidas ajudam a fomentar o preconceito. Eu já conheci várias pessoas que achavam que Exu era o diabo e foram perguntar para quem pouco conhece e acabaram tendo essa certeza. E, logicamente, o preconceito contra essa importante linha de trabalho acabou sendo aumentado.

Baseado nisso, decidi colocar de forma gradativa, um pouco por dia, um estudo mais detalhado sobre a atuação dos nossos amados Guardiões. Tentarei desmistificar ao máximo, sem recorrer aos preconceitos já existentes. Não será minha intenção de forma alguma questionar o conhecimento de outras pessoas ou estipular um marco a ser seguido (não tenho tais pretensões). Minha ideia é contribuir para os estudos de todos, colocando os pés um pouco mais no chão.

Como diria um cidadão óbvio, "comecemos do começo", fazendo um resumão da Linha:




"O Caboclo das Sete Encruzilhadas nos ensinou que Exú é um trabalhador como soldado para a polícia. O chefe da polícia nem o delegado prendem. Quem prende é o soldado. Exu é um espírito que se encosta à uma falange e aproveitam para fazer o bem, porque a cada passo para o bem que ele faz, vai aumentando sua Luz” - Zélio Fernandino de Morais, sobre os Exus.

Todo espírito quando desencarna deve fazer uma observação de tudo aquilo que fez de bom e de ruim enquanto encarnado e, a partir daí, definir sua evolução. Alguns reencarnam e levam consigo seus karmas e um objetivo de evolução. Em outros casos, o que aquele espírito fez foi moralmente tão grave, que precisaria de muitas e muitas encarnações para reverter. A esses espíritos foi dada a responsabilidade de trabalhar para a espiritualidade como nossos guardiões.

Antes de trabalhar, porém, o espírito passa por uma doutrinação daquela falange e, principalmente, uma doutrinação sobre como deve trabalhar para a Umbanda. Sendo assim, NENHUM EXU, SOB HIPÓTESE ALGUMA é um espírito menos evoluído. Exu (e nenhuma entidade) NUNCA será o reflexo de quando estava encarnado. Ele usa o que viveu para saber como lidar com as situações, mas quando trabalha na Umbanda, é um ser de alta evolução. 


O que faz uma pessoa cair nas tentações são os sentimentos mundanos. Sentimento de inveja, de raiva, de avareza, enfim. Quando um Exu passa pela doutrinação, além de ter a noção daquilo que fez de errado também aprende a se livrar desse tipo de sentimento puramente carnal. Então Exu sabe lidar com as emoções, mas não sucumbe a elas.


A FORMA DE EXU

Quando as primeiras imagens das entidades (não dos Orixás) começaram a ser confeccionadas, existia uma representação puramente artística dos guias. Como eram guias que utilizavam uma forma de comunicação mais direta, muitas vezes até mesmo grosseira, existia o conceito de que aqueles guias eram desformados ou tinham patas de animais, eram cochos, etc. Fato é que quando um espírito desencarnado tem consciência de quem é e do que precisa fazer, especialmente quando decide trabalhar para a Luz, acaba se livrando de qualquer imagem demoníaca que ele mesmo tenha colocado pra si.

Exceção feita a linha dos Caveira (Tata Caveira, Exu Caveira, João Caveira, etc) que realmente se apresentam como esqueletos, NENHUM outro Exu ou qualquer entidade é disforme. São seres elegantes e imponentes.

AS FALANGES POR ORIXÁ

Antes de falar sobre as falanges e os mais conhecidos falangeiros, é interessante ressaltar que o único ponto de força de Exu são as encruzilhadas. Mesmo se for um Exu da calunga pequena (cemitério), o ponto de força do Exu é na encruzilhada, mas do Orixá que rege aquela linha (Obaluaiê) é no cemitério. TODA FIRMEZA de Exu pode ser feita nas encruzilhadas, independente da linha de trabalho.

No plano espiritual, não existe linha mais importante que a outra, da mesma forma que não existe um Exu melhor ou pior que outro. Existe, sim, Exus que se manifestam há mais tempo que outros, porém isso nãos os torna superiores e tão pouco chefes ou líderes dos demais Exus. O conceito que nós temos de hierarquia não cabe no Plano Espiritual.

Os primeiros Exus a se manifestarem na Umbanda foram: Exu Malê (que se apresentava como um caboclo pela mediunidade de Zélio Fernandino – sua linha não trabalha mais incorporada aos médiuns). Exú das Sete Encruzilhadas (linha de Oxalá), Tranca Ruas (linha de Ogum), Marabô (linha de Oxóssi), Gira Mundo (Xangô), Pinga Fogo (Obaluayê) e Tiriri (linha de Ibeji que, apesar de não ser cultuado na Umbanda, no Plano Astral representa os Erês).

Esses Exus eram os únicos que inicialmente se manifestavam na Umbanda, porém no Plano Espiritual outras falanges de tremenda força já trabalhavam dando encaminhamento a todas as demandas levantadas por esses Exus. Por exemplo: Exu Tiriri dava início atendendo e Exu Tata Caveira finalizava. Os Exus trabalham em conjunto desde sempre.


Com o passar dos anos, com os médiuns tendo a firmeza suficiente para atuar, as outras linhas puderam se manifestar. Vejamos cada uma delas, dividida por vibração dos Orixás:



A cada novo ciclo outras linhas de trabalho são apresentadas, o que por muitas vezes pode confundir as pessoas menos experientes. Não devemos, portanto, nos focar em nome de entidade mas no trabalho que é realizado.

Apesar de cada Exu trabalhar na vibração de um determinado Orixá, todos são regidos por Ogum



EXU E AS FAIXAS VIBRACIONAIS

Existem 13 Faixas Vibracionais (seis superiores, uma neutra, duas de passagem e quatro inferiores). Nós estamos no Plano Terreno, que é a faixa neutra, e os Exus habitam o que chamamos de Plano Crostal e Plano Etérico, que são dimensões paralelas a nossa. Devido a esta proximidade de vibração com a nossa, e pelo fato de Exu emanar energia pura, nós sentimos a presença dos Exus de uma forma muito mais intensa.


Esta aproximação faz com que Exu trabalhe conosco não apenas na parte espiritual, mas principalmente na parte energética. Como a energia de Exu é muito forte e remete à vitalidade, quando estamos firmes com Exu, estamos nutrindo nossa energia vital. Nos sentimos mais fortes, mais seguros, mais viris, mais focados. 


Trabalhando nas faixas vibracionais mais próximas à nossa, cabe aos Exus atuar como primeira linha de defesa de seus filhos, é por isso que muitas vezes quem faz o descarrego ou o que chamamos de “puxada” é um Exu, mesmo quando o trabalho realizado é com outra linha. Exemplo: em gira de Boiadeiro quem faz puxada é Exu.

MAS O QUE FAZ EXU?

Além de ser nossos guardiões, os Exus são entidades que atuam no Astral para garantir que a Justiça de Xangô e a Lei de Ogum sejam aplicadas. Algumas pessoas dizem que Exu não é nem bom nem mal, mas possui uma neutralidade. Na verdade, Exu é bom sim, porém dentro de sua bondade não cabe o afago fraternal de um Preto Velho ou de um Caboclo, mas apenas o braço forte da vontade de Deus. Como Exu faz o que é certo, e muitas vezes o que é certo vai contra aquilo que a pessoa ACHA que deve acontecer, por isso tem a fama de ser mal.
Exu não apenas é a entidade vibracionalmente mais próxima de nós, o que os torna um pouco mais “humanizado”, mas e também a entidade que mais nos instiga a fazer o que é certo e que mais nos tenta a sermos pessoas melhores e que assumamos o peso de nossas responsabilidades. Isso quer dizer que, diferente de qualquer outra entidade da Umbanda, onde pode ser “prometido” um agrado ou alguma entrega e não cumprir, com Exu o que é prometido tem que ser cumprido. O Exu não vai trabalhar apenas se receber uma oferenda ou se o médium trabalhar com uma bebida de baixa qualidade, porém se for prometido algo a Exu, aquilo DEVE ser entregue para que ele saiba que ali existe um filho ou um protegido com responsabilidade. 

Como Exu não faz mal para quem pede, também de forma alguma fará mal a outra pessoa. Se alguém pede que algo seja feito para outra pessoa, Exu analisa a situação e se entender que o pedido é justo, faz com que a justiça seja feita. Por isso muitas vezes parece que Exu fez algo contra outra pessoa, mas na verdade sempre o mal é causado pela própria pessoa, por suas atitudes e suas consequências.


Os Exus são divididos hierarquicamente no Plano Espiritual. As principais divisões são:

Exu Coroado: são os chefes das falanges. Recebem ordens diretamente dos chefes das legiões da Umbanda. São os espíritos que criaram as linhas de trabalho. São eles que determinaram a forma de trabalho, inclusive o nome como seriam conhecidos. Só existe UM Exu Coroado e esse Exu não se manifesta em nenhum médium. São também conhecidos como “Orixás Menores”. 

Chefe de Legião: estão um grau abaixo do Exu Coroado. São os responsáveis por doutrinar os novos espíritos resgatados para aquela falange. Cada linha de trabalho possui aproximadamente 350 chefes de legião. São os chefes de Legião os responsáveis pela proteção dos Terreiros de Umbanda.

Exu Batizado: são os que se manifestam nos terreiros de Umbanda. A cada trabalho realizado, a cada alma resgatada, o Exu Batizado vai conseguindo sua evolução espiritual e galgando novas posições. O Exu Batizado algum dia consegue se tornar Chefe de Legião e quando tiver condições pode se tornar Exu Coroado, iniciando uma nova linha de Exu para trabalhar na Umbanda.

Exu Pagão: são os Exus que iniciam sua jornada para a Luz, porém ainda não têm a autorização de trabalhar nos terreiros. Muitos não têm a referência de bem e mal, ou ainda trazem consigo as suas referências enquanto encarnado, então se dispões a realizar qualquer tipo de trabalho. Quando realizam algo que não deveriam, são punidos e ensinados pelos Exus mais evoluídos.

Muitos perguntam o porque de um Exu Pagão aceitar determinado trabalho. Não são Exus? Não trabalham para a Luz? Sim, porém estão aprendendo, então é dado a eles a possibilidade de iniciarem seus trabalhos. Não apenas eles deveriam saber como agir, mas a pessoa que faz o pedido “errado” também deveria saber o que pedir. Então isso acontece como uma possibilidade para que a Espiritualidade veja como está a evolução daquele Exu e também do médium.


DESMISTIFICANDO OS EXUS

• Se Exu pede cartola, capa, bengala ou algum outro objeto e o médium não dá, ele consegue trabalhar DA MESMA FORMA.

• Exu não bebe e não fuma. Exu não se importa com marca de pinga, de uísque ou do charuto. Achar algo diferente disso é dar as costas para os fundamentos mais básicos de nossa religião.

• A pimenta é utilizada para trabalhos de proteção (Ogum) ou ataque (Xangô). Quando um Exu come pimenta, está fazendo por orientação do médium, já que não há fundamento para tal. Em alguns casos os Exus podem utilizar para mostrar ao médium que a sua energia realmente está ali, porém isso é raro e via de regra acontece quando o médium passo por algum momento de questionamento de sua fé na entidade. Ou, como dizemos sempre, acontece pelo ego do médium.

• Exu NUNCA bate no peito e diz que “Eu fiz isso” ou “se eu tomei conta, agora vai”, ou ainda “isso vai dar certo, porque é Exu XXX que está falando”. Exu é mais elevado que nós, então não lhes cabe esse tipo de comportamento. Quando acontece isso, é influência direta do médium.

• EXU NÃO AMEAÇA!!!!!! Exu entende o Livre Arbítrio, então ameaçar seria tentar impôr algo, o que não pode acontecer. Quando acontece, é influência do médium.

• Exu trabalha para Deus. Aliás, Exu é o braço de Deus nas trevas. Então quando Exu não quer falar o nome de Deus ou de Jesus, é influência do médium.

• Exu é guardião e pode ficar bravo, sim. Mas acima de tudo Exu é um grande amigo. Justo em todo o momento, mas não abandona seus filhos nunca.

• Quando termina sua evolução na linha dos Exus, a entidade pode escolher continuar seu trabalho se tornando chefe de falange, ou, se assim desejar e com a autorização do Divino, trabalhar em outras linhas. Por isso dizem que Exu algum dia pode virar Preto Velho.

• Podemos firmar Exu em qualquer lugar, dentro ou fora de casa. Quando firmamos fora, é porque Exu é protetor, então sua energia vibra melhor perto dos portões das casas. Lembremos do conceito da “porteira”.

• O padê de Exu serve como forma de reverência e pedido de proteção a determinado Exu. Preferencialmente é realizado utilizando as mãos para misturar a farinha com o dendê, pois existe a troca de energia. Nos terreiros é oferecido ao Exu guardião da casa, e é fundamental como forma de proteção.


PRONTO, esse foi o resumão... no Capítulo 2 eu vou começar a destrinchar ponto a ponto de tudo que falamos e tocaremos em outros assuntos dentro deste mesmo tema.












quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Vovó Maria

Trecho do livro "Causos de Umbanda", onde Vovó Benta, pela mediunidade de Leni W. Saviscki, conta alguns casos vividos por ela ou seus amigos de trabalho na Espiritualidade. O trecho que escolhi para compartilhar mostra a forma sábia que nosso amados Guias de Luz trabalham:

"Vovó Maria fumegava seu pito e batia seu pé ao som da curimba enquanto observava o terreiro, onde os cambones movimentavam-se atendendo aos pretos velhos e aos consulentes.  Mandingueira, acostumada a enfrentar de tudo um pouco nos trabalhos de magia, sabia perfeitamente como o mal agia tentando disseminar o esforço do bem.

Sob variadas formas, as trevas vagavam por ali também. Alguns em busca de socorro; outros, mal-intencionados, debochavam dos trabalhadores da luz. Muitos chegavam grudados no corpo das pessoas, qual parasitas sugando sua vitalidade. Outros, por sobre seus ombros, arqueando e causando dores nos hospedeiros, ou amarrados nos tornozelos, arrastavam-se com gemidos de dor. Fora os tantos que eram barrados pela guarda do local, ainda na porta do terreiro e que, lá de fora, esbravejavam palavrões.

Da mesma forma, o movimento dos exus e outros falangeiros se fazia intenso no lado astral do ambiente, para que, dentro do merecimento de cada espírito, pudessem ser encaminhados. Uma senhora com ares de madame se aproximou da preta velha para receber atendimento. Vinha arrastando uma perna que mantinha enfaixada.

- Saravá, filha - falou Vovó Maria, enquanto desinfetava o campo magnético da mulher com um galho verde, além de soprar a fumaça do palheiro em direção ao seu abdome, o que fez com que a mulher demonstrasse nojo em sua fisionomia. Fingindo ignorar, a preta velha, cantarolando, continuou a sua limpeza. Riscando um ponto com sua pemba no chão do terreiro, pediu que a mulher colocasse sobre ele a perna ferida.
“Será que não vai pedir o que tenho?”, pensou a mulher, já arrependida por estar ali naquele lugar desagradável. “Vou sair daqui impregnada por estes cheiros!”

Vovó Maria sorriu, pois captara o pensamento da mulher, mas preferiu ignorar tudo isso. O que a mulher não sabia era a gravidade real do seu caso, ou seja, aquilo que não aparecia no físico. Se ela pudesse ver o que estava causando a dor e o inchaço na perna, aí sim, certamente ficaria muito enojada. Na contraparte energética, abundavam larvas que se abasteciam da vitalidade do que já era uma enorme ferida e que breve irromperia também no físico. Além disso, uma entidade espiritual, em quase total deformação, mantinha-se algemada à sua perna, nutrindo, assim, essas larvas astrais. Para qualquer neófito, aquilo mais parecia um cadáver retirado da tumba mortal, inclusive pelo mau cheiro que exalava.

Com a destreza de um mago, a preta velha sabia como desvincular e transmutar toda essa parafernália de energias densas, libertando e ocorrendo a entidade escravizada a ela. Feitos os devidos “curativos” no corpo energético da mulher, Vovó Maria, que à visão dos encarnados não fez mais que um benzimento com ervas e algumas baforadas de palheiro, dirigiu-se agora com voz firme à consulente:

- Preta Velha até aqui ouviu calada o que a filha pensou a respeito do seu trabalho. Agora preciso abrir minhas tramelas e puxar sua orelha.

Ouvindo isso, a mulher afastou-se um pouco da entidade, assustada com a possibilidade de que ela viesse mesmo a lhe puxar a orelha.

“Escutou o que pensei? Ah, essa é boa. Ela está blefando comigo”, pensou novamente a mulher.

- Se a madame não acredita em nosso trabalho, por que veio aqui buscar ajuda? Filha, não estamos aqui enganando ninguém. Procuramos fazer o que é possível, dentro do merecimento de cada um.

- E que me recomendaram vir me benzer, mas eu não gosto muito dessas coisas...

- ...e só veio porque está desesperada de dor e a medicina não lhe deu alento, não foi filha? - complementou a preta velha.

- Os médicos querem drenar a perna e eu fiquei com medo, pois nos exames não aparece nada, mas a dor estava insuportável.
- Estava? Por quê, a dor já acalmou?
- É, agora acalmou, parece que minha perna está amortecida.
- E está mesmo, eu fiz um curativo.
A mulher, olhando a perna e não vendo curativo nenhum, já estava pronta para emitir um pensamento de desconfiança quando a preta velha interferiu:
- Vá para sua casa, filha, e amanhã bem cedo colha uma rosa do seu jardim, ainda com orvalho, e lave a sua perna com ela, na água corrente. Ao meio-dia o inchaço vai sumir e sua perna estará curada.

Não ousando mais desconfiar, ela agradeceu e já estava saindo quando a preta velha a chamou e disse:

- Não se esqueça de pagar a promessa que fez pra Sinhá Maria, antes dela morrer...

Arregalando os olhos, a mulher quase enfartou e tratou de sair daquele lugar imediatamente. O cambone, que a tudo assistia calado, não aguentando a curiosidade perguntou que promessa foi essa.

- Meu menino, o que nós escondemos dos homens fica gravado no mundo dos espíritos. Essa filha, herdeira de um carma bastante pesado por ter sido dona de escravos em vida passada e, principalmente, por tê-los ferido a ferro e fogo, imprimindo sua marca na panturrilha dos negros, recebeu nesta encarnação, como sua fiel cozinheira, uma negra chamada Sinhá Maria. Esse espírito mantinha laços de carinho profundo pela madame desde o tempo da escravidão, quando foi sua “Bá” e, por isso, única poupada de suas maldades. Nessa encarnação, juntaram-se novamente no intuito de que a bondosa negra pudesse despertar na mulher um pouco de humildade, para que esta tivesse  a oportunidade de ressarcir os débitos, diante da necessidade que surgiria de auxiliar alguém envolvido na trama cármica. Sinhá Maria, acometida de deficiência respiratória, antes de desencarnar solicitou à sua patroa que, na sua falta, assistisse seu esposo, que era paraplégico, faltando-lhe as duas pernas. 

Deixou para isso todas as suas economias de anos a fio de trabalho e só lhe pediu que mantivesse com isso a alimentação e os medicamentos. Mas na primeira vez que ela foi até a favela onde morava o homem, desistiu da ajuda, pois aquele não era o seu “palco”. Tratou logo de ajustar uma vizinha do barraco, dando-lhe todo o dinheiro que Sinhá havia deixado, com a promessa de cuidar do pobre homem. Não é preciso dizer que rumo tomaram as economias da pobre negra; em pouco tempo, para evitar que ele morresse à míngua, a Assistência Social o internou em asilo público. Lá ele aguarda sua amada para buscá-lo, tirando-o do sofrimento do corpo físico. Nenhuma visita, nenhum cuidado especial. A madame se havia “esquecido” da promessa.

Eu só fiz lembrá-la para que não tenha que voltar aqui com as duas pernas inválidas. A Lei só nos cobra o que é de direito, mas ela é infalível. Quanto mais atrasamos o pagamento de nossas dívidas, maiores elas ficam. Por isso, camboninho, negra velha sempre diz para os filhos que a caridade é moeda valiosa que todos possuímos, mas que poucos de nós usam. Se não acordamos sozinhos, na hora exata a vida liga o “desperta-dor” e, às vezes, acordamos assustados com a barulheira que ele faz... eh, eh, eh... Entendeu, meu menino?

- Sim, minha mãe. Lembrei que tenho de visitar meu avô que está no asilo...
Sorrindo e balançando a cabeça a bondosa preta velha falou com seus botões:
- Nega véia matô dois coelhos com uma cajadada só...eh, eh...

E, batendo o pé no chão, fumando seu pito e cantarolando, prosseguiu ela, socorrendo e curando até que, junto aos demais, voltou para as bandas de Aruanda."

Salve Vovó Maria. Salve todos os Pretos e Pretas Velhas trabalhadores da Umbanda. Adorei as almas e as almas nos atendem.

Axé.

Sergio

terça-feira, 25 de setembro de 2018

"Meu Exu Não é Famoso. E Agora?"

Há algum tempo um irmão umbandista veio conversar comigo sobre o Exu que trabalha com ele. Eu imaginei que pudesse vir alguma pergunta sobre os fundamentos daquela determinada linha de trabalho ou algo sobre a firmeza da entidade na tronqueira... enfim, dúvidas mais comuns. A dúvida, porém, era sobre o nome da entidade. O Exu que se apresentou para o médium tinha um nome pouco comum e eu mesmo particularmente não conhecia aquela linha.

Eu disse que não conhecia a linha, mas que poderíamos firmar para o Guia e porque não conversar com ele para saber o que precisa para realizar seu trabalho no terreiro. O médium, porém, disse que isso ele já tinha sido avisado e estava tudo certo. Eu perguntei então qual era dúvida. Fiquei surpreso em saber que o único grande problema (e na verdade sequer era uma dúvida) era o fato do Exu não ser conhecido, e o médium achar que poderia estar com animismo ou entendendo errado o nome do Guia.

Eu expliquei que é absolutamente normal algumas linhas (nomes dos Guias) deixarem de se manifestar e outras novas surgirem, e que isso é não apenas comum como necessário, visto que a Umbanda é uma religião ainda em anunciação. Eu resolvi, portanto, recorrer não apenas ao que eu sei por experiência própria, mas também a registros de décadas atrás (70 e 80 principalmente), onde os médiuns se preocupavam muito mais com o trabalho a ser realizado pelo guia do que com o nome daquela linhagem. Recorrendo a esses registros, achei interessante trazer aos amigos leitores o resultado da pesquisa:

Eu vou usar o exemplo dos Exus porque foi pontualmente o que pesquisei, mas certamente aconteceria algo semelhante pesquisando todas as outras linhas de trabalho (preto Velho, Caboclo, Baiano, etc). As linhas que são as mais conhecidas ainda hoje já se manifestavam décadas atrás. Tranca Ruas, Tata Caveira, Tiriri, Marabô, etc... todas essas linhas já trabalhavam, mas eram as únicas? Não. Vamos aos nomes que muito provavelmente o leitor sequer conhece, mas fazia um trabalho extraordinário nos terreiros.

Exu Campina
Exu Mangueira (um dos primeiros a se manifestar na Umbanda, aliás)
Exu do Carangola
Exu Corta-Corta
Exu Curadô
Exu Ganga
Exu Gargalhada
Exu Kaminaloá
Exu Lalu
Exu Marabá (não confundam com Marabô)
Exu das Matas
Exu Tempestade (o qual trabalha com esse médium aqui)
Exu Pedra Negra
Exu Pemba
Exu Poeira
Exu Quebra-Galho
Exu Quirimbô
Exu dos Rios
Exu Serapião
Exu Sete Cruzes
Exu Sete Montanhas
Exu Sete Portas
Exu Tira Teima
Exu Toco Preto
Exu Tranca Tudo
Exu dos Ventos
Exu do Cheiro
Exu Gira Negra

Esses são exemplos de linhas menos conhecidas, mas que atuam na Umbanda da mesma forma que Tranca Ruas, Capa Preta, Exu Caveira ou Tiriri. Vale sempre ressaltar que nós devemos nos preocupar em sermos melhores pessoas para que desta forma sejamos melhores médiuns e assim deixar que a Espiritualidade Amiga trabalhe conosco de uma forma plena e satisfatória. 

Focar em nome de entidade e não naquilo que ela pode fazer quando bem firmada, é se preocupar com o detalhe do detalhe. Algo tão pequeno não deve ter tamanha relevância. Será que um assistido prefere ser atendido por um "Tranca Ruas" com um médium que não conhece seus fundamentos, ou com o "Exu Gargalhada" bem firme e com um médium que se entrega de coração? A resposta é bastante óbvia.


Se o foco do médium for querer saber o nome do seu guia e buscar um "famoso" pra trabalhar, então o foco não está na Umbanda, mas em seu ego. Firme uma vela para Obaluaiê e entre em harmonia com a Evolução interna.

Axé.

Sergio

domingo, 23 de setembro de 2018

A Preparação do Médium

Olá povo. Já falei sobre alguns assuntos inerentes à Umbanda em si, como os Orixás, algumas linhas de trabalho e etc. O assunto agora é um mais pessoal e tem relação com a forma de trabalhar do médium.

Não vou falar sobre a preparação mediúnica, sobre comportamento ou algo parecido (isso será tratado oportunamente em outra postagem), mas sobre a obrigação do médium conhecer a forma de trabalho dos guias que trabalham com ele.

Logicamente aos médiuns novos esse texto serve para ajudar no direcionamento de sua caminhada na religião (não dá para exigir nada de quem pouco conhece). A maior reflexão, porém, deve ser feita pelos médiuns mais experientes, aqueles que dão passividade aos Guias de Luz há algum tempo e que, via de regra, carregam pra si (mesmo que de forma involuntária) algumas responsabilidades que a Espiritualidade Amiga entende ser oportuna.

É comum quando um Guia está incorporado, dar alguns recados para "seu cavalo". Os recados variam de pedidos de objetos de trabalho (especificam se trabalham com essa ou aquela bebida, se usam esse ou aquele fumo, se o fio de contas é assim ou assado, etc) até mesmo alguns puxões de orelha. Esses recados fazem parte da conexão do Guia com o médium e também com a casa, e facilitam de forma interessante sua forma de trabalho. 

O médium deve saber não apenas as cores e os objetos de trabalho para as consultas (que é informação relativamente simples), mas conhecer de forma realmente completa como aquele Guia atua]. Quando o médium tem esse conhecimento, consegue saber de antemão quais são os objetos que o Guia utilizará dentro de um ritual. É bastante comum os terreiros realizarem trabalhos de proteção com os Exus, por exemplo. Nessas ocasiões os médiuns dão passividade aos Guardiões, que naquele instante fazem os rituais que acham necessários para proteger a Casa ou o que for designado para fazer.

Se o médium tem conhecimento do que o Guia vai fazer e sabe quais são os objetos que ele utilizará, então no dia da realização do ritual, ele será feito de uma forma muito mais tranquila e assertivo. Imaginem a situação: um ritual de descarrego de Terreiro com Exu vai ser realizado por médiuns que não sabem o que o Guia vai utilizar. O Guia incorpora no médium e pede algo que o terreiro não tenha. Esse ritual ou será realizado de forma parcial (e pode ter seu êxito diminuído por conta disso) ou via de regra o ritual sequer acontece e é postergado para quando o médium se preparar e levar que precisa para concluir.

Como o Exu Tata Caveira (o qual tenho o privilégio de ter ao meu lado, me guiando, ensinando e protegendo) costuma dizer: "não é errado não ter conhecimento, mas é vergonhoso não ir atrás dele". Eu entendo essa frase como uma dica para que sempre busquemos o conhecimento que realmente utilizaremos no dia-a-dia dessa nossa caminhada nos terreiros com a Espiritualidade. Saber que a cor de Oxóssi é verde ou que Exu toma marafo é importante, mas saber como um Exu trabalha e com o que ele trabalha em cada tipo de necessidade, é o que realmente importa. 

Então busquemos conversar mais com os Guias que trabalham conosco. Conhecer DE VERDADE esses Guias é se aproximar da Espiritualidade Amiga e ser um instrumento de trabalho cada vez mais afiado. Chegar em um trabalho sabendo o que será feito deve ser obrigação do médium com mais bagagem, já que se ele não tem esse conhecimento, então quem terá? Aquele irmão que entrou ontem na religião?

Que Oxalá nos abençoe e Exu nos guarde hoje e sempre.

Axé.

Sergio

sexta-feira, 21 de setembro de 2018

A Espiritualidade dos Animais


Na última quarta-feira tivemos uma aula no TUOBM sobre a Espiritualidade dos Animais. Foi mais uma experiência incrível, com troca de ideias e diferentes conceitos. 

Segue abaixo o resumo que cada aluno recebeu para orientação da conversa:

ESPIRITUALIDADE DOS ANIMAIS


IMPORTANTE: não existe informações consistentes na literatura umbandista sobre o tema. Tudo que será dito é baseado em conversa com guias e na literatura espiritualista num geral.

Alguns Conceitos Espiritualistas e Alguns Fatos Científicos:

·         Deus criou o Universo. Dentro deste universo existe incontáveis mundos. Esses mundos são criados gradativamente juntamente com seus habitantes.

·         Nosso planeta teve origem a cerca de 4,5 bilhões de anos. A primeira vida surgiu na Terra 1 BILHÃO de anos depois.

·         As primeiras formas de vida eram seres minúsculos. Com os anos foram se formando mais complexos e deram origem às células, depois às plantas e posteriormente os animais invertebrados que habitavam o mar. Depois surgiu a vida em terra firme, e depois no ar.

·         Todo ser passa sua encarnação buscando evolução (ética, moral e INTELECTUAL).

O principal conceito que temos que entender é o que é ética, moral e intelectual, para podermos saber do que se trata cada evolução.

·         Ética: conjunto de regras e preceitos de um grupo ou uma sociedade;

·         Moral: são regras e preceitos de ordem pessoal. São os valores que cada pessoa tem e o fazem ser alguém “bom” ou “ruim” (conceito pessoal);

·         Intelectual: capacidade do ser em entender e refletir sobre algo. Reforçando que evoluir intelectualmente não é fazer algo de forma repetitiva, como ser adestrado;

Seres Humanos: nós temos a capacidade de adquirir informação sobre algo e refletir sobre essa coisa.

Exemplo: um ser humano aprende o que é uma arma de fogo e aprende o que ela pode causar. A partir de então ele reflete sobre seu uso e decide se vai usar ou não, ou se usaria ou não. Baseado nisso ele cria um conceito MORAL sobre o assunto (independente do que a sociedade diga, ele terá o seu conceito pessoal do que é certo ou errado).

Esse tipo de situação é uma corrente que liga um conceito ao outro: evolução intelectual leva à reflexão moral e ética sobre algo.

Animais:
·         Um ser animal não possui a capacidade intelectual para raciocinar sobre algo. Não possui o dom da reflexão;

·         Um animal pode aprender algo através da repetição de alguma situação ou instrução (ser adestrado, por exemplo);

·         Este aprendizado, porém, não reflete uma evolução intelectual, mas sim o cérebro trabalhando de forma automática;

·         Não podemos ensinar um cachorro sobre o que é guerra e esperar que ele reflita a respeito e, desta forma, obtenha seus valores pessoais a respeito disso.

Os Animais Não São Todos Iguais

Alessandro Viana é um especialista no assunto. Ele diz que “há diferença entre os animais. O peixe é puro instinto, enquanto cães, gatos e golfinhos possuem certa inteligência”. Isso é reforçado pela própria Doutrina Espírita que diz que todo ser passa por uma evolução, não sendo possível a “metempsicose” (alma humana que desencarnou, reencarnar em corpo físico inferior da evolução). Em tese, um peixe em algum momento evoluirá para um gato ou um cachorro (ou algum ser semelhante em outro plano).

Alguns animais estão no topo da evolução e, não atoa, se tornaram os animais que convivem mais próximos aos seres humanos. Alguns cachorros, por exemplo, são muito mais inteligentes que outros e possuem uma sensibilidade para aquilo que não vemos (é uma espécie de “mediunidade animal”).

O animal que consegue ver e “interagir” com o Plano Espiritual, possivelmente está em seu último estágio de evolução antes de encarnar como ser humano (ou parecido).

O animal que consegue sentir vibrações do Plano Espiritual e até mesmo ver algum desencarnado, está em um grau de evolução tão grande que consegue usar seu instinto para acessar o canal mediúnico, já que a mediunidade é, segundo Kardec “um fenômeno intelectual, onde a mente do médium, através de seus conhecimentos, serve de canal de comunicação”.

Ou seja, para os humanos, não existe a possibilidade de desenvolver a mediunidade de forma instintiva, diferente do que pode ocorrer com alguns animais.



E Quando um Animal Desencarna?

·         Independente de sua evolução individual, os animais são mais presos à matéria que os seres humanos. Apesar disso, dificilmente um animal fica preso ao mundo material por muito tempo após seu desencarne;
·         Os animais mais evoluídos (cães, gatos, macacos, etc) são recebidos por irmãos incumbidos em ajudar na passagem. Este momento é algo rápido, pois não existem animais errantes (que ficam vagando antes de reencarnar);
·         Existem relatos de animais nos planos espirituais, mas o que seriam? Eles realmente andam por lá?

Animais no Plano Espiritual

Se os animais ficam pouco tempo no Plano Espiritual, como se explicam os relatos abaixo?
Aves de monstruosa configuração, mais negras do que a noite, de longe em longe se afastavam de nosso caminho” - André Luiz em “Nosso Lar”.
Existem exemplos de mutilações provocadas por ratos e baratas em masmorras  - Hermínio C Miranda, em “Diálogo com as Sombras”.

Existem casos em que alguns seres podem ser confundidos com animais, por não terem passado pelo nosso planeta antes do desencarne, mas são raras as situações. Na maioria dos casos trata-se de “animal” criado fluidicamente como um objeto. Um boiadeiro recém desencarnado, por exemplo, pode criar seus bois, sem que existam ali espíritos de animais.

O Que as Outras Religiões Dizem

·         Católicos: até hoje não existe consenso a respeito. O Papa Francisco alega que “a Sagrada Escritura nos ensina que a realização do Armagedon afeta tudo ao nosso redor”, então algumas pessoas interpretaram como se os animais fossem para o Céu. O Papa João Paulo II em 1990 disse que,sim, os animais têm alma;

·         Os Muçulmanos alegam que todas as almas são eternas, o que incluiria inclusive a dos animais. O problema está no fato de toda alma ter que, obrigatoriamente, ser julgado por Deus. Não existe, portanto, consenso a respeito;

·         O Budismo diz que os animais e os seres humanos são iguais (os dois possuem as mesmas capacidades), portanto um animal pode reencarnar como humano e vice-versa;

·         O Hinduísmo acredita que os animais evoluem após seu desencarne, passando a ser humanos. Ou seja, todo humano algum dia teria sido um animal em vidas passadas. Segundo o hinduísmo, os animais precisam deste passo para ficarem mais próximos de Deus (os humanos seriam as criaturas mais próximas dEle);

·         No Judaísmo não há um conceito claro sobre Céu e Inferno, mas o mais curioso é que eles são categóricos quando alegam que os animais têm alma. Eles não comem carne de animais que rastejam ou que vivem nos próprios detritos (porco, caranguejo, camarão, etc). E também não comem carne mal passada por entenderem que o sangue é a essência do ser. Não existe um consenso sobre a alma animal ser tão divina quanto a humana;

·         No Candomblé a alma dos animais é entendida tanto quanto na Umbanda ou Kardecismo (um estágio da evolução). Vale ressaltar que o sacrifício quando ocorre não é apenas uma morte do animal, mas uma metamorfose que gera união entre animal, humano e divino. O animal é liberto de sua prisão carnal.

São Francisco de Assis

Alguns terreiros de Umbanda mais antigos sincretizavam São Francisco de Assis com Xangô. Algumas casas entendem que São Francisco de Assis é um Caboclo de Xangô falangeiro. É um dos raros santos que, mesmo não existindo um sincretismo declarado, é tido como referência na Umbanda devido sua dedicação a Deus e à caridade junto aos pobres e os animais.

São Francisco não era apenas um amante dos animais, mas de tudo criado por Deus. Para ele, os animais e o Sol, por exemplo, tinham o mesmo peso. Por isso São Francisco não era vegetariano, afinal de contas comer uma galinha era a mesma coisa que comer um alface, por exemplo.

Recado Final

Todos somos criaturas de Deus e existimos para Sua obra. Não existe uma pessoa mais importante que outra e não existe uma pessoa mais importante que um animal, nem animal mais importante que uma árvore. Tudo existe com seu propósito, e em um momento todos estaremos juntos do Pai, como um único ser” - Pai Joaquim de Aruanda