domingo, 30 de setembro de 2018

Estudo Sobre a Esquerda - Parte 2


Esquerda e a Evolução Espiritual

A escritora Janaina Azevedo Corral em seu estudo O Livro da Esquerda na Umbanda fala sobre o papel das entidades que incorporam na Umbanda. Quais seriam essas entidades? Algumas pessoas dizem que são as mais evoluídas em comparação a nós, enquanto outras pessoas alegam que são entidades que estão prestes a entrar no que chama de “nível Divino”, onde se dissociariam de seus corpos (inclusive os plasmados) e se transformariam em energia pura. Muitos estudos atribuídos à nossa Espiritualidade, dão conta que os guias espirituais são divididos em Graus, onde os primeiros (1º, 2º e 3º) seriam seres com energia muito forte, de impossível incorporação, enquanto um guia de nível 4º seria um guia muito raro de se incorporar e, quando isso acontecesse é rápido. Esses guias de 4º nível seriam os falangeiros. Os guias mais comuns a se manifestarem na Umbanda seriam os de nível 5, 6 e 7 e, ainda assim, em divisões de linha de trabalho (Preto Velho seriam do nível 5 e caboclos do nível 6, enquanto outras entidades estariam no 7º nível).

Esse pensamento, porém, apesar de ter certa lógica de raciocínio por tentar enquadrar a espiritualidade em conceitos que nós, encarnados e cheios de erros temos como referência, mostra um certo preconceito com outras religiões, em especial o Candomblé, onde a incorporação de Guias de 4º nível e acima se dá de forma relativamente comum. Além disso, temos que entender que existe, sim, uma facilidade maior da incorporação de determinados guias (ou linhas de trabalho, que seja) por parte de uma maior ou menor experiência do médium, ou de uma determinada missão espiritual daquele médium e até mesmo do guia que vai lhe acompanhar. Não acredito que um Preto Velho seja mais ou menos evoluído que um Erê ou um Caboclo.

Quando levamos este conceito para a Esquerda, o preconceito (e digo esta palavra com entendimento literal da mesma) é ainda maior. Ainda temos pessoas que confundem um Exu com kiumba (espíritos de baixa vibração com quase nenhuma moral). Todas as entidades da Umbanda, sejam da Direita ou da Esquerda, buscam evolução e possuem, desta forma, um forte compromisso com a Espiritualidade Superior. Todos trabalham no âmbito do perdão e da misericórdia, porém baseado no conceito da “ação e reação”, da fé e especialmente do equilíbrio.

Em conversa com Preto Velho, me foi dito que todos os guias estão, sim, em um grau de evolução maior que o nosso, porém o que os diferencia não é uma escada na evolução espiritual, mas sua missão perante a Espiritualidade. Cabe aos Caboclos a manipulação de todo os elementos energéticos para que consigamos prosperar espiritualmente, para que nossos caminhos sejam abertos. Aos Pretos Velhos cabe o aconselhamento espiritual para que possamos encontrar, se seguirmos esses ensinamentos, a plenitude. Um Preto Velho não é mais nem menos evoluído que um Caboclo, então. São trabalhadores da Espiritualidade, cada um com uma missão distinta.

Aos trabalhadores da Esquerda, foi dada a incumbência de atuarem mais próximos a nós, fazendo com que nós nos equilibremos perante a Espiritualidade, baseado nas ações que tivermos. Os Exus são parte essencial da “ação e reação” que comentei, porém em tudo que é baseado estritamente em nossos atos no Plano Material. Sem a atuação firme de Exu, não existiria equilíbrio algum entre nossas ações enquanto seres encarnados e as consequências enquanto espíritos em evolução.

Imagine alguém que reza todos os dias para o bem das pessoas. Alguém que não maldiz o próximo e que louva a Deus de uma forma real. Imagine que esta mesma pessoa, quando sai do que chamamos de “momento espiritual” (as orações, por exemplo) pratica atos, mesmo que de forma involuntária, que prejudicam as pessoas. Esta pessoa está em harmonia com a Espiritualidade, mas precisa que seus atos gerem consequências para que ele consiga se equilibrar e evoluir. Exu garante que isso aconteça.

Exu e Pomba Gira são bastante ligados ao pecado, e essa ligação tem certo fundamento, não com a Entidade em si, mas com o que nós entendemos como pecado, seja de uma forma didática cristã (que é o que rege a sociedade de quase todo umbandista), seja pelos conceitos de pecado que estão enraizados no subconsciente de quase todo mundo. Pecar seria realizar os Sete Pecados Capitais e também não seguir os Dez Mandamentos. Vamos lembrar da catequese?

Sete Pecados:

Luxúria: sexo pelo simples prazer do ato, sem vislumbrar a procriação;
Gula: comer além daquilo que se precisa para sobreviver;
Avareza: enriquecer (ou tentar) ao acumular dinheiro e bens materiais;
Inveja: cobiçar as coisas do próximo;
Orgulho: sentir orgulho ou bem-estar consigo mesmo, a ponto deste sentimento ser o guia da sua vida;
Preguiça: descansar mais que trabalhar;
Ira: sentir raiva por qualquer motivo que seja.


Os Dez Mandamentos:

1   1  Amarás a Deus sobre todas as coisas (e não terás outros deuses);
2  Guardarás seu Santo Nome e não o dirás em vão;
3  Guardarás domingos e dias santos;
4  Honrarás pai e mãe;
5  Não matarás;
6  Não pecarás contra a castidade;
7  Não roubarás;
8  Não levantarás falso testemunho;
9  Não cometerás adultério;
1  Não cobiçarás as coisas alheias.

Desta forma, podemos entender que quase tudo que consideramos humanos entra nesta lista do que transforma alguém em pecador. Poucos são os quesitos que mostram de forma clara o que seria errado: não matarás, não levantarás falso testemunho, etc. Para nos enquadrarmos em todos os quesitos acima, teríamos que nos privar da vida mundana e vivermos em isolamento total de uma sociedade já corrompida.
Os umbandistas, no entanto, apesar de terem uma forte base cristã, especialmente entre os mais antigos e aos que “migraram” do Kardecismo, diferem em vários aspectos dos conceitos cristãos-católicos-protestante:

  • O sexo é algo sagrado e a união entre duas pessoas é abençoada (mesmo não tendo qualquer intuito de procriação);
  • A comida em fartura faz parte das cerimônias (tantas e tantas festas são repletas de pratos típicos, os quais são servidos aos médiuns e à assistência);
  • Vivemos em uma sociedade de consumo (e isso independe de nós), então guardar algum dinheiro não é apenas normal como uma necessidade;
  • Sentir orgulho nos faz enaltecer nossa identidade e nossa cultura, o que nos permite tranquilamente dizer que pertencemos a uma sociedade;
  • O descanso é tão merecido quando o trabalho, e o equilíbrio entre ambos nos torna completos;
  • As batalhas (e não a violência) são necessárias para alcançarmos todos nossos objetivos. Ogum, inclusive, é o “Senhor da Guerra”;
  • Além de Deus (que, sim é único e a tudo rege) também cultuamos os Orixás;
  • Todo dia da semana é sagrado para os Umbandistas, então, não dá para guardar todos eles e se dedicar apenas à religião: temos vida, trabalho, família e tudo o que faz parte do nosso dia a dia e que também é sagrado.


Há de se entender que, mesmo com essas divergências frontais entre o umbandista e o cristão tradicional, a sociedade que vivemos também não leva a ferro e fogo tudo o que a Bíblia diz, porém os conceitos básicos cristãos estão enraizados no que podemos chamar de “Moral Cristã”. Essa moral não é algo individual, mas cabe a toda a sociedade. Por exemplo: toda sociedade sabe que é errado roubar, matar, falar mal do próximo, desrespeitar pai e mãe. Independente de existir uma Lei formalizando isso, fato é que se tratam de conceitos morais que todos sabemos que devemos seguir, sendo cristãos, umbandistas, islamistas, ateus, etc.

A Espiritualidade Amiga que guia os umbandistas tem um alto grau de evolução (o menos evoluído de lá é mais evoluído que qualquer um de cá), porém sabe que nós ainda estamos nos primeiros passos de nossa evolução, então não seria certo que eles “cobrassem” uma conduta moral de nós baseado na evolução que eles têm. A Espiritualidade sabe qual é o tipo de sociedade que vivemos e cobra que sejamos corretos mediante aquilo que conhecemos e que podemos, sim, decidir fazer algo de certo e de errado mediante esses conceitos existentes.

Os guias de Esquerda (em especial os Exus) têm perante a Espiritualidade a missão de nos acompanhar para que consigamos colher tudo aquilo que plantamos, conforme o conceito social do que é certo e do que é errado. Esta missão é de grande importância, pois garante o verdadeiro equilíbrio do homem perante vida e a Espiritualidade. O conceito amplamente conhecido de que uma pessoa sob hipótese alguma vai viver sua atual encarnação “involuindo” só existe pela atuação de Exu. Se os passos errados que alguém dá não tivesse uma consequência certa, aonde estaria a evolução espiritual dessa pessoa, que fosse pelo aprendizado através do erro?

Exu, portanto, não é menos evoluído que Preto Velho ou Caboclo. Exu tem um trabalho a ser executado diferente dessas outras linhas.

A EVOLUÇÃO DO EXU

Já vimos que perante a Espiritualidade, Exu não tem um desenvolvimento maior ou menor que outras linhas de trabalho, mas sim funções distintas. Dito isso, precisamos sempre lembrar que todo Guia de Luz que trabalha na Umbanda é um indivíduo e possui, desta forma, seus anseios particulares de evolução e, sendo assim, cada um tem uma missão específica.

Eu gosto sempre de utilizar comparações entre Preto Velho e Exu, porque são linhas que apesar de trabalharem juntas, são opostas no que tange à missão que cada uma possui. Utilizando o exemplo dos nosso amados vozinhos e vozinhas, a maioria deles sofreram em vida o flagelo na carne, sendo escravos, e passaram por esta missão (não duvidemos que tudo o que de “ruim” passamos, é uma missão) de uma forma tranquila e serena, sendo já enquanto encarnados algo parecido com o que conhecemos deles no Plano Espiritual. Eu entendo o trabalho dos Pretos Velhos como uma consequência natural de sua vida carnal. Os guias que atuam na linha dos Pretos Velhos (não os falangeiros) também possuíam características parecidas.

Quando analisamos o passado carnal dos falangeiros na linha dos Exus e dos guias que incorporam nos terreiros, percebemos que existe um ponto de convergência em todas as histórias: pessoas que praticaram atos questionáveis quando encarnados. Alguns desses atos foram coisas realmente fortes, como assassinatos e tortura.

Quando essas pessoas desencarnavam, além de sofrerem as mazelas espirituais que certamente os esperavam eram cercadas por espíritos que garantiam que isso fosse acontecer da forma correta. Após entenderem que eram seres que haviam feito coisas extremamente erradas e condenáveis sob vários aspectos, a eles eram dada a possibilidade de reencarnar para que pudessem “espiar” e pagar por tudo aquilo que fizeram na última reencarnação (olha o equilíbrio aí de novo), ou em alguns casos, era apresentada a possibilidade de utilizar o conhecimento da maldade que professaram enquanto encarnados, porém para trabalhar junto a Espiritualidade Amiga, justamente para prever, punir ou reverter atos semelhantes causados por encarnados. Em resumo, seria como um criminoso pudesse ter a oportunidade de ser contratado pela polícia para ajudar a prever e resolver crimes que ele sabia como praticar.

Enquanto um Preto Velho entrava em uma sequência natural de sua vida encarnada, o Exu fazia justamente o contrário, deixando de ser um ser de moral discutível para se tornar um “policial” da Espiritualidade. As características de sua forma de atuação são bastante distintas dos demais guias espirituais em diversos aspectos e pelos mais variados motivos. As principais diferenças e razões para isso são:

DIFERENÇAS
MOTIVOS
São mais truculentos e as vezes parecem ser até mesmo agressivos.
São indivíduos que ainda trazem em seu comportamento reflexos de quando encarnados. 1
Cobram atitudes certas dos médiuns a todo momento, muitas vezes sequer os perdoando por eventuais falhas.
Por terem a missão de serem executores, não cabe a eles o perdão (o “perdão” é concedido de forma natural a partir do momento que o médium “sofre” as consequências de seus atos). A cobrança existe, pois, apesar de serem Guias Espirituais com uma missão específica, são indivíduos, então isso pode ocorrer por reflexo da personalidade daquele guia em específico. Por isso muitas vezes guias com o mesmo nome de falange agem de forma distinta.
Via de regra os médiuns sentem mais a presença dos guias de Esquerda do que outras linhas de trabalho.
Os guias de Esquerda estão na faixa vibracional imediatamente próxima a nossa, então temos essa facilidade pela aproximação. Vale ressaltar que não é uma aproximação por afinidade espiritual.
É mais comum os guias da Esquerda trabalharem em assuntos de desobsessão e descarregos.
Por estarem mais próximos a nós, estão de forma automática mais próximos aos espíritos obsessores que nos cercam. Além da missão de trabalhar com os médiuns e os encarnados de forma geral, também cabe aos Exus a atuação como executores do carma inclusive dos desencarnados, sendo deles a responsabilidade do início do resgate dos irmãos desencarnados.
Atuam de forma mais assertiva em assuntos relacionados à matéria (dinheiro, abertura de caminhos, etc).
São trabalhadores espirituais voltados ao equilíbrio, sendo deles a responsabilidade de nos trazer o equilíbrio material (vivemos em uma sociedade a qual precisamos de condições mínimas de sobrevivência), em contraponto ao espiritual. 2
Atuam de forma mais assertiva em assuntos relacionados a sexo e relacionamento.
Especificamente as Pomba Giras são guias espirituais que atuam na energia do sexo, o que entendemos ser fundamental para qualquer pessoa, sendo parte da energia vital do todo indivíduo. O desequilíbrio da energia sexual pode causar diversos problemas para as pessoas. 3


Algumas dessas características fazem com que os guias da Esquerda sejam considerados como os maiores trabalhadores da Umbanda. Tal frase tem certa verdade, e essa assertiva se dá pelo fato deles serem os responsáveis por atender às questões imediatas dos encarnados, mas, além disso, existe o fato dessa diferença na evolução do indivíduo que trabalha como Exu, por exemplo, em contraponto aos guias de Direita.

Todos os guias da Esquerda recebem a missão de trabalhar para a Espiritualidade utilizando seus conhecimentos para trazer o equilíbrio às pessoas, fazendo com que elas colham aquilo que plantaram, seja algo bom ou não. Além dessa missão da linha de trabalho, cada um dos indivíduos possui um carma pessoal a ser cumprido, e para isso há de se analisar o que cada um fez enquanto encarnado e o que tem que realizar agora como trabalhador da Espiritualidade. Essa condição que os transforma em trabalhadores que precisam, sim, atuar de forma mais ampla que outros Guias. Se ao Preto Velho cabe atender quantas pessoas o procure para aconselhamentos e situações similares, atuando de uma forma que sua evolução espiritual é consequência de seus atos enquanto encarnados, ao Exu ou a Pomba Gira existe a necessidade de atuar de forma completamente oposta ao que eram em vida carnal. Justamente por isso existe uma necessidade maior de atuação.

A reversão deste carma, no entanto, não é algo simples e subjetivo ao indivíduo como acontece quando reencarnamos. A pessoa quando reencarna não sabe o que deve “sofrer em vida” para pagar o carma de encarnações anteriores. Um Exu, por exemplo, sabe o que fez de errado e aceita “pagar sua dívida” trabalhando para a Espiritualidade, porém como é um indivíduo, é dado a ele um número específico de situações que deve realizar para que posso no mínimo zerar sua pendência cármica.
Vejamos um exemplo prático: um barão de café que vivia em Minas Gerais em meados do Século XVI maltratava seus funcionários e escravos. Muitos morreram pelos mal tratos. Perto dos seus 70 anos, ele descobriu que sua esposa, a qual amava muito, tinha um caso com um capataz. O tal barão assassinou o funcionário com sete facadas. Após morrer, foi dado a ele a oportunidade de trabalhar para a Espiritualidade como Exu na religião que ainda seria anunciada aos povos. Ele assumiu a responsabilidade e adotou o nome de Exu Sete Facadas. A Espiritualidade, no entanto, disse que além da missão de ser Exu, ele deveria trazer das trevas para a Luz Divina 100 pessoas para cada escravo que morreu pelos seus mal tratos, além de 1.000 pessoas para cada facada que proferiu em seu capataz.

Vamos imaginar que o barão tivesse sido responsável indireto pela morte de 80 escravos. Ele teria que pagar a dívida de 8.000 resgates por este carma e mais 7.000 pelas facadas. No todo, Sete Facadas teria que ser o responsável pelo resgate de 15.000 almas.

Chegamos, então, em um ponto que deve ser bastante analisado, que é o fato do falangeiro poder ou não poder trabalhar diretamente nos terreiros para cumprir seu carma. Se analisarmos o caso de Seu Sete Facadas, por exemplo, vemos que ele desencarnou perto de 1700. Seu resgate deve ter ocorrido perto de 1800. A Umbanda foi anunciada em 1908, mais de 100 anos após. É certo que nesse meio tempo Seu Sete Facada já atuava junto a Espiritualidade para o resgate de almas envoltas nas trevas e à parte dessas almas ele dava a mesma oportunidade que teve e as convidava para trabalhar como Exu. Quando a Umbanda foi anunciada, não apenas Sete Facadas mas todos os demais Exus e Pomba Giras tiveram a oportunidade de colocar seus “soldados” (almas resgatadas que atuavam com seu nome e com suas regras) para atuar de forma incorporada aos médiuns, visando o atendimento aos assistidos das diversas casas, para que suas missões espirituais pudessem ser cumpridas e seus carmas fossem “pagos”.

Mas se o falangeiro não incorpora, como ele pode atuar para cumprir seu carma pessoal? A resposta é tão simples quanto parece ser: o trabalho que começa num terreiro termina no Plano Espiritual. Quando um Exu faz uma “puxada” em um médium que está sendo acompanhado por um obsessor, ele leva aquele irmão sofredor ao Plano Espiritual para que ele possa ser tratado e, aí sim, dependendo do caso e com a permissão divina, o falangeiro pode atuar de forma pontual.
Inúmeros estudos e ensinamentos vindos diretamente da Espiritualidade dizem que os primeiros falangeiros da Umbanda sequer são os mesmos (veremos mais adiante o porque) e os mais antigos já estão no limite do resgate de seu carma, portanto atendem à poucas demandas de seus subordinados, deixando que eles trabalhem de forma mais direta e com isso consigam evoluir cada vez mais.

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