Há tempos tenho conversado com algumas pessoas sobre compilar em um livro os principais rituais dentro da Umbanda. Desde o mais básico, que é o Amaci, até alguns mais "complicados". Nessas conversas, muitas vezes me perguntaram sobre o Batismo de crianças dentro da Umbanda. Pode ou não pode ser feito? Se puder, com qual idade? Como é realizado? Enfim, várias perguntas que achei legal responder neste texto, o qual me baseei bastante não apenas na minha caminhada, mas também no que aprendemos no Curso de Teologia de Umbanda Sagrada, ministrado pelo mestre Alexandre Cumino. Então vamos lá...
BATISMO DE CRIANÇAS NA UMBANDA
Sempre que falamos sobre batismo,
remetemos de forma automática ao ritual da Igreja Católica e, mais
recentemente, aos evangélicos. Nesses rituais especificamente é feito uma
limpeza de todos os males que já nascem com a criança (quem não aceita Jesus
como Salvador está em pecado). Como diz o teólogo Ronaldo Linhares, este
procedimento cristão é parecido com um “exorcismo” de todo mal que pode ter
acompanhado a criança devido o “pecado original’ que é uma herança bíblica de
Adão e Eva e seu relacionamento íntimo. Eu discordo frontalmente desse posicionamento
católico pois entendo que o pecado original nunca foi o ato sexual, mas a
desobediência a Deus.
De qualquer forma, o ritual de
batismo de uma criança na Umbanda é uma apresentação daquela criança aos seus
irmãos de Fé e indica não uma iniciação religiosa, como alguns pensam, mas uma
apresentação à fraternidade de Oxalá. O que há de comum no batismo da criança
na Umbanda e no Catolicismo é o fato de em ambos os casos o ritual é conduzido
por um sacerdote (padre, pastor(a) ou pai/mãe de santo) e existem duas pessoas
que se responsabilizam em aparar aquela criança no caso de ausência de seus
pais, seja por desencarne, seja por negligência ou qualquer outro motivo maior.
A escolha dos padrinhos da criança é de suma importância e deve ser levado
bastante a sério por todos, sendo que não necessariamente deve ser escolhido um
casal que seja iniciado na Umbanda, mas que, sim, sejam pessoas de notada
elevação moral e, principalmente, responsáveis.
O ritual tem início com a abertura
dos trabalhos da forma que sempre é feito no Terreiro (cada casa tem uma
sistemática distinta consagrada aos trabalhadores espirituais que lá atuam,
então deve ser mantida sempre e só alterada mediante forte convicção do dirigente
ou do Guia Chefe da casa). Quando chega no momento das incorporações dos Guias
nos médiuns, o sacerdote solicita que a criança, seus pais e padrinhos sejam
levados na frente do altar (congá). Neste momento o sacerdote (ou algum responsável
direto) conversa com todos os presentes e explica o que estará sendo realizado
naquele instante, principalmente para dirimir eventuais dúvidas de não
umbandistas que frequentam o terreiro por mera curiosidade.
O sacerdote oficiante da
cerimônia estará de frente para o público e de costas para o altar; os
participantes estarão de costas para o público e de frente para o altar e para
o pai espiritual; a criança deverá vestir uma roupa prática e fácil de manusear
e estará nos braços da madrinha. Ao lado direito da madrinha ficará o padrinho,
sustentando uma vela de batismo (a vela representa a luz divina, a presença do
espírito de Deus e é consagrada a Ifá, o Espírito Santo); ao lado esquerdo da
madrinha ficará a mãe da criança e ao lado desta, o pai. Dando início à cerimônia, o pai espiritual tomará a banha de Ori (também chamada limo da
costa), uma substância gordurosa, extraída da glândula supra-renal do cordeiro,
e traçará com ela o símbolo da Umbanda (dois triângulos entrelaçados) três
vezes na fronte da criança, proferindo as seguintes palavras:
“Ao ungir a sua fronte com o Ori Sagrado, eu te consagro a Deus
segundo a lei da Umbanda por Olorum, por Oxalá e por Ifá”.

Dando sequência à cerimônia, o
pai espiritual utiliza a pemba em pó, preparada especialmente para esse fim.
Tomando nas mãos o recipiente onde deverá estar a pemba, repetirá todo o ritual
usado durante a primeira parte com a banha trocando apenas os dizeres, que
passarão a ser:
"Com a pemba, eu te consagro a Olorum, Oxalá e Ifá".
A cerimônia prossegue com a unção
do sal, que obedece ainda à mesma ritualística, sendo que ao final deposita-se
uma pitada de sal também na boca da criança dizendo:
"Receba o sal da terra, você que não passa de um punhado de terra revivida
pela vontade de Deus".
Usa-se normalmente sal refinado
em lugar do sal grosso, pois sendo muito delicada a pele do bebé, o sal grosso
poderia feri-la; também pode-se pilar e peneirar em peneira fina o sal grosso,
com o mesmo resultado. Ao terminar esta parte do ritual, o padrinho toca com
uma das mãos o peito da criança e com a outra continua segurando a vela,
enquanto a madrinha segue segurando a criança em seus braços.
O sacerdote, neste instante,
chama a atenção dos padrinhos para a importância do ato solene e da
responsabilidade que se seguirá, pedindo-lhes que repitam cada uma das suas
palavras, assumindo perante o altar de Deus suas responsabilidades para com o
batizando. Diz o sacerdote:
"Eu (e cada um dos padrinhos repete seu próprio nome por extenso)
recebo-te (dizem o nome da criança) na falta ou ausência de teus pais, como se
fora meu próprio filho, prometendo alimentar-te, educar-te, orientar-te e
amar-te, encaminhando-te dentro dos ensinamentos de nossa crença no amor a Deus
e aos Orixás por Olorum, por Oxalá e por Ifá”.
A seguir, cada um dos padrinhos
repete o seu próprio nome e diz: "Eu
juro".
Naturalmente, não é de forma
alguma necessário que as palavras sejam repetidas exatamente nesta ordem; basta
que a ideia do que exprimem não seja alterada. A seguir, o pai espiritual
coloca na palma da mão do padrinho uma pitada de pemba, e este deverá dizer à
criança:
"Em nome de Deus eu te recebo e abençoo".
Em seguida soprará a pemba sobre
a criança. O mesmo farão a madrinha, o pai e a mãe da criança e também o sacerdote,
que dirá:
"Em nome de Deus, eu te consagro e abençoo".
Esta parte do ritual lembra o
sopro divino, que teria dado origem ao primeiro homem, ou melhor, à dependência
divina do próprio homem. A seguir, um Ogã pede ao pai da criança que segure sob
a cabeça dela uma pequena bacia de louça, passa para o pai espiritual a concha
de batismo e a enche com água pura. Tomando a concha, o sacerdote dirá:
"Com a água que mantém a vida, eu lavo de sua cabeça toda e qualquer
impureza ou negatividade, por Olorum, por Oxalá e por Ifá".
Após esta cerimônia, o Ogã de
gira ou a Mãe Pequena ou Pai Pequeno, auxiliado pela mãe ou pela madrinha da
criança, enxuga a cabeça dela. Os utensílios sagrados voltam ao congá. O sacerdote
cumprimenta todos, felicita-os e lembra-os da grande responsabilidade assumida
ante o altar de Deus.
Em seguida, será iniciado o
cântico que chamará uma ou mais entidades espirituais para que do Plano Espiritual
tragam suas vibrações positivas para o batizando e demais participantes, sendo
de livre escolha dos pais da criança as entidades que serão chamadas, as quais
não deverão ser mais que duas ou três.
Também não é obrigatório que a
entidade incorporante seja do sacerdote do Terreiro; poderá ser perfeitamente
de qualquer médium da casa, incluindo-se os pais ou padrinhos da criança.
Após a cerimônia, o padrinho
apagará a vela e a entregara à mãe da criança, que deverá acendê-la e orar
diante da chama sagrada, quando houver qualquer dificuldade experimentada pela
criança, pois a referida vela foi consagrada a Ifá - o Espírito Santo.
Este é um ritual simples, mas de uma força tremenda e, sendo bem feito (não apenas em sua ritualística, mas em seu significado total) pode ser parte de um direcionamento efetivo dentro da Espiritualidade de uma pessoa que apenas naquele momento é uma criança mas que vai crescer e experimentar tudo o que de bom e de ruim nosso mundo pode proporcionar, então cabe aos padrinhos segurarem sempre nas mãos desta pessoa para ajudar a chegar cada vez mais próximo de Deus.