sexta-feira, 30 de novembro de 2018

Rituais - Batismo de Crianças na Umbanda

Há tempos tenho conversado com algumas pessoas sobre compilar em um livro os principais rituais dentro da Umbanda. Desde o mais básico, que é o Amaci, até alguns mais "complicados". Nessas conversas, muitas vezes me perguntaram sobre o Batismo de crianças dentro da Umbanda. Pode ou não pode ser feito? Se puder, com qual idade? Como é realizado? Enfim, várias perguntas que achei legal responder neste texto, o qual me baseei bastante não apenas na minha caminhada, mas também no que aprendemos no Curso de Teologia de Umbanda Sagrada, ministrado pelo mestre Alexandre Cumino. Então vamos lá...

BATISMO DE CRIANÇAS NA UMBANDA


Sempre que falamos sobre batismo, remetemos de forma automática ao ritual da Igreja Católica e, mais recentemente, aos evangélicos. Nesses rituais especificamente é feito uma limpeza de todos os males que já nascem com a criança (quem não aceita Jesus como Salvador está em pecado). Como diz o teólogo Ronaldo Linhares, este procedimento cristão é parecido com um “exorcismo” de todo mal que pode ter acompanhado a criança devido o “pecado original’ que é uma herança bíblica de Adão e Eva e seu relacionamento íntimo. Eu discordo frontalmente desse posicionamento católico pois entendo que o pecado original nunca foi o ato sexual, mas a desobediência a Deus.

De qualquer forma, o ritual de batismo de uma criança na Umbanda é uma apresentação daquela criança aos seus irmãos de Fé e indica não uma iniciação religiosa, como alguns pensam, mas uma apresentação à fraternidade de Oxalá. O que há de comum no batismo da criança na Umbanda e no Catolicismo é o fato de em ambos os casos o ritual é conduzido por um sacerdote (padre, pastor(a) ou pai/mãe de santo) e existem duas pessoas que se responsabilizam em aparar aquela criança no caso de ausência de seus pais, seja por desencarne, seja por negligência ou qualquer outro motivo maior. A escolha dos padrinhos da criança é de suma importância e deve ser levado bastante a sério por todos, sendo que não necessariamente deve ser escolhido um casal que seja iniciado na Umbanda, mas que, sim, sejam pessoas de notada elevação moral e, principalmente, responsáveis.

O ritual tem início com a abertura dos trabalhos da forma que sempre é feito no Terreiro (cada casa tem uma sistemática distinta consagrada aos trabalhadores espirituais que lá atuam, então deve ser mantida sempre e só alterada mediante forte convicção do dirigente ou do Guia Chefe da casa). Quando chega no momento das incorporações dos Guias nos médiuns, o sacerdote solicita que a criança, seus pais e padrinhos sejam levados na frente do altar (congá). Neste momento o sacerdote (ou algum responsável direto) conversa com todos os presentes e explica o que estará sendo realizado naquele instante, principalmente para dirimir eventuais dúvidas de não umbandistas que frequentam o terreiro por mera curiosidade.

O sacerdote oficiante da cerimônia estará de frente para o público e de costas para o altar; os participantes estarão de costas para o público e de frente para o altar e para o pai espiritual; a criança deverá vestir uma roupa prática e fácil de manusear e estará nos braços da madrinha. Ao lado direito da madrinha ficará o padrinho, sustentando uma vela de batismo (a vela representa a luz divina, a presença do espírito de Deus e é consagrada a Ifá, o Espírito Santo); ao lado esquerdo da madrinha ficará a mãe da criança e ao lado desta, o pai. Dando início à cerimônia, o pai espiritual tomará a banha de Ori (também chamada limo da costa), uma substância gordurosa, extraída da glândula supra-renal do cordeiro, e traçará com ela o símbolo da Umbanda (dois triângulos entrelaçados) três vezes na fronte da criança, proferindo as seguintes palavras:

Ao ungir a sua fronte com o Ori Sagrado, eu te consagro a Deus segundo a lei da Umbanda por Olorum, por Oxalá e por Ifá”.

Fazendo isso, o sacerdote pede a proteção de Deus e dos Orixás para a criança. A cerimônia continua com a madrinha virando a criança, descobrindo sua nuca e pescoço. Na vértebra cervical mais saliente (a que funciona como encontro dos feixes nervosos que descem do cérebro e do chacra de maior importância) o sacerdote faz o mesmo ritual feito anteriormente na fronte. Voltando a criança à posição normal, a mãe abre a roupa no peito da criança e novamente o sacerdote cruza a criança da mesma forma. Exclui-se o cerimonial das mãos da criança, pois esta é uma atitude que a criança tomará mais tarde, quando souber discernir se deseja ou não prosseguir seu caminho na seara umbandista.
Dando sequência à cerimônia, o pai espiritual utiliza a pemba em pó, preparada especialmente para esse fim. Tomando nas mãos o recipiente onde deverá estar a pemba, repetirá todo o ritual usado durante a primeira parte com a banha trocando apenas os dizeres, que passarão a ser:

"Com a pemba, eu te consagro a Olorum, Oxalá e Ifá".

A cerimônia prossegue com a unção do sal, que obedece ainda à mesma ritualística, sendo que ao final deposita-se uma pitada de sal também na boca da criança dizendo:

"Receba o sal da terra, você que não passa de um punhado de terra revivida pela vontade de Deus".

Usa-se normalmente sal refinado em lugar do sal grosso, pois sendo muito delicada a pele do bebé, o sal grosso poderia feri-la; também pode-se pilar e peneirar em peneira fina o sal grosso, com o mesmo resultado. Ao terminar esta parte do ritual, o padrinho toca com uma das mãos o peito da criança e com a outra continua segurando a vela, enquanto a madrinha segue segurando a criança em seus braços.
O sacerdote, neste instante, chama a atenção dos padrinhos para a importância do ato solene e da responsabilidade que se seguirá, pedindo-lhes que repitam cada uma das suas palavras, assumindo perante o altar de Deus suas responsabilidades para com o batizando. Diz o sacerdote:

"Eu (e cada um dos padrinhos repete seu próprio nome por extenso) recebo-te (dizem o nome da criança) na falta ou ausência de teus pais, como se fora meu próprio filho, prometendo alimentar-te, educar-te, orientar-te e amar-te, encaminhando-te dentro dos ensinamentos de nossa crença no amor a Deus e aos Orixás por Olorum, por Oxalá e por Ifá”.

A seguir, cada um dos padrinhos repete o seu próprio nome e diz: "Eu juro".
Naturalmente, não é de forma alguma necessário que as palavras sejam repetidas exatamente nesta ordem; basta que a ideia do que exprimem não seja alterada. A seguir, o pai espiritual coloca na palma da mão do padrinho uma pitada de pemba, e este deverá dizer à criança:

"Em nome de Deus eu te recebo e abençoo".

Em seguida soprará a pemba sobre a criança. O mesmo farão a madrinha, o pai e a mãe da criança e também o sacerdote, que dirá:

"Em nome de Deus, eu te consagro e abençoo".

Esta parte do ritual lembra o sopro divino, que teria dado origem ao primeiro homem, ou melhor, à dependência divina do próprio homem. A seguir, um Ogã pede ao pai da criança que segure sob a cabeça dela uma pequena bacia de louça, passa para o pai espiritual a concha de batismo e a enche com água pura. Tomando a concha, o sacerdote dirá:

"Com a água que mantém a vida, eu lavo de sua cabeça toda e qualquer impureza ou negatividade, por Olorum, por Oxalá e por Ifá".

Após esta cerimônia, o Ogã de gira ou a Mãe Pequena ou Pai Pequeno, auxiliado pela mãe ou pela madrinha da criança, enxuga a cabeça dela. Os utensílios sagrados voltam ao congá. O sacerdote cumprimenta todos, felicita-os e lembra-os da grande responsabilidade assumida ante o altar de Deus.

Em seguida, será iniciado o cântico que chamará uma ou mais entidades espirituais para que do Plano Espiritual tragam suas vibrações positivas para o batizando e demais participantes, sendo de livre escolha dos pais da criança as entidades que serão chamadas, as quais não deverão ser mais que duas ou três.

Também não é obrigatório que a entidade incorporante seja do sacerdote do Terreiro; poderá ser perfeitamente de qualquer médium da casa, incluindo-se os pais ou padrinhos da criança.

Após a cerimônia, o padrinho apagará a vela e a entregara à mãe da criança, que deverá acendê-la e orar diante da chama sagrada, quando houver qualquer dificuldade experimentada pela criança, pois a referida vela foi consagrada a Ifá - o Espírito Santo.

Este é um ritual simples, mas de uma força tremenda e, sendo bem feito (não apenas em sua ritualística, mas em seu significado total) pode ser parte de um direcionamento efetivo dentro da Espiritualidade de uma pessoa que apenas naquele momento é uma criança mas que vai crescer e experimentar tudo o que de bom e de ruim nosso mundo pode proporcionar, então cabe aos padrinhos segurarem sempre nas mãos desta pessoa para ajudar a chegar cada vez mais próximo de Deus.


quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Jesus Cristo na Umbanda (Umbanda é Cristã ou Crística?)

Esse texto que escrevi no início do ano faz parte da Apostila do Curso de Umbanda Nível 2 ministrado por mim todas as quartas-feiras na Tenda de Umbanda Ogum Beira Mar, em Jacareí/SP.

JESUS CRISTO NA UMBANDA

É comum a praticamente todos os terreiros de Umbanda a imagem de Jesus Cristo no alto do Congá. Mesmo nas casas onde o sincretismo religioso é deixado de lado e apenas as imagens dos Orixás são expostas ao culto, existe ali uma imagem de Jesus Cristo. Todos sabemos que no sincretismo de Umbanda Jesus é Oxalá, mas agora vamos deixar de lado este conceito, até porque Oxalá é um orixá e representa, portanto, uma força da natureza, muito mais forte que qualquer pessoa encarnada, seja quem for, inclusive Jesus. Então por qual motivo existe o culto a Jesus na Umbanda? Seria um desvio do foco em nossa religião, ou apenas uma forma de respeito ao “filho de Deus” nas religiões crísticas?

Algumas poucas pessoas na história conhecida da humanidade tiveram a oportunidade de serem não apenas enviados diretamente por Deus para pregar Sua palavra, mas principalmente tinham o dom natural de conversar com Ele. Essas pessoas designamos como profetas. Maomé, Isaías, Jeremias, Elias, Moisés, Davi são exemplos dessas pessoas. Cada uma teve uma missão específica, mas em comum todas tinham a comunicação direta com Deus, não apenas través das orações, como todos nós também conseguimos fazer, mas uma real comunicação, com diretrizes dadas diretas pelo Criador.
Jesus também tinha esta característica, porém, diferente de todos os outros que descobriram em vida suas missões, e eram fragmentadas, a Jesus foi dado a possibilidade de encarnar já sabendo de sua missão, que era levar a palavra de Deus para a humanidade, enterrando as más interpretações que aconteciam até então, e focando não apenas no louvor a Deus, mas na prática da verdadeira caridade entre as pessoas.

Não cabe aqui fazer uma análise minuciosa da vida de Jesus, mas temos que analisar sua obra como um todo e principalmente seu legado para a humanidade. Em contraponto ao que muitos esperavam de um filho de Deus, Jesus nasceu em uma manjedoura e viveu toda sua vida entre os pobres. Mas porque isso? Jesus representa a pobreza, ou apenas o desapego aos bens materiais? Não, o simbolismo é muito maior e representa para a Umbanda tudo aquilo que as pessoas deveriam seguir.


Para exemplificar, podemos dizer que é comum escutarmos nossos amados Pretos Velhos dizendo que devemos amar ao próximo independente daquilo que nos façam, seja bom ou não. Não podemos escolher quem ajudar. Tem uma frase dita por Preto Velho que fala: “quem quer ajudar, apenas ajuda. Nada pergunta, nada exige, nada questiona. Ajuda e passa”. Analisando o contexto desta frase, podemos colocá-la em comparação a vida levada por Jesus.

Tudo o que o mundo deu a Jesus desde seu nascimento até seu desencarne foi o pior que podia. Ele nasceu em um estábulo e teve como primeiro berço uma manjedoura. Aqui vale lembrar que hoje temos a manjedoura como um símbolo católico, mas uma manjedoura nada mais é do que o local onde se colocam a ração para o gado dentro de um estábulo. Ou seja, além de ter nascido em local precário, seu primeiro sono foi basicamente em um cocho. Foi perseguido a partir do momento que iniciou sua função de evangelizar. No último dia de vida recebeu flagelo na carne, junto com uma cruz, a qual nela viu seu corpo carnal morrer. Até mesmo seu túmulo foi emprestado de José de Arimatéia.

Existe, portanto, ligação direta entre Jesus e a Umbanda, não apenas com os Pretos Velhos, que notadamente são as entidades que mais remetem a Jesus, mas com o cerne da religião, que é a prática da Caridade. Não existiu ninguém mais evoluído a caminhar por nossas terras, ninguém com maior aproximação de Deus (se é que há como mensurar esse tipo de situação, claro). Mesmo assim, podendo tudo, tendo a capacidade Divina da cura através do toque e da fala, com o poder sob todos os espíritos, ao ponto de expulsá-los das pessoas que obsediavam; mesmo assim viveu em pobreza material, mas em abundante prosperidade espiritual, conforme disse o Apóstolo Paulo em sua carta: “pois conheceis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico, se fez pobre por amor de vós, para que, pela sua pobreza, vos tornásseis ricos” (Cor 8,9).

É por isso que Jesus Cristo não é apenas respeitado, mas cultuado na Umbanda, pois representa a Caridade encarnada e, acima de tudo, um norte que todo umbandista deve seguir para se tornar alguém melhor e desta forma se aproximar de Deus.

Amai o próximo como a ti mesmo” poderia ser uma frase de algum guia na linha de Oxum. “Felizes os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus” poderia ser uma frase de Preto Velho. “Não julgueis para não serdes julgados. Pois com o julgamento com que julgais sereis julgados, e com a medida com que medis sereis medidos” seria facilmente atribuída a um caboclo de Xangô. Todas essas frases, porém, foram ditas por Jesus Cristo. 



UMBANDA É CRISTÃ OU CRÍSTICA?


Apesar de serem termos parecidos, existe uma grande diferença entre ser uma pessoa cristã e ser uma pessoa crística. O Cristão é alguém que segue os preceitos e os ensinamentos do Mestre Jesus de Nazaré. OS católicos e os evangélicos se baseiam única e exclusivamente na Bíblia e nos passos de Jesus, então são considerados cristãos.
Em contrapartida temos os ensinamentos crísticos, que são conceitos universalistas e que pode (e deve) ser seguidos por todos, independente da religião. Um cristão pode ser uma pessoa crística da mesma forma que um muçulmano, por exemplo. O que define alguém crístico são os seguintes pontos:

  • É poderoso, mas não exibe poder;
  • É puro, mas não vocifera contra os impuros;
  • Adora o que é sagrado, mas sem fanatismo;
  • É amigo de servir, mas sem servilismo;
  • Ama sem importunar a ninguém;
  • Vive alegre, mas com grande compostura;
  • Sofre sem amargura;
  • Goza sem profanidade;
  • Ama a solidão, mas sem detestar a sociedade;
  • É disciplinado sem fazer disso um culto;
  • Jejua, mas não desfigura o rosto para mostrar a vacuidade do estômago;
  • Pratica a abstinência de muitas coisas, sem fazer disso uma lei ou mania;
  • É um herói, mas ignora qualquer complexo de heroísmo;
  • É virtuoso, mas não é vítima da obsessão de virtuosidade;
  • Trabalha intensamente, com alegria e entusiasmo, mas renuncia serenamente, a cada momento, aos frutos de seu trabalho.


Jesus tem a denominação de Cristo justamente por ser considerado o “Cristo Planetário da Terra”, ou o símbolo na Terra do homem crístico. Alguns crísticos creem que Maomé, Buda, Krishna, Kardec, Confúcio, entre outros, assim como Jesus de Nazaré, são “prolongamentos vivos do Espírito Crístico”, que seria uma energia emanada que representa os conceitos apresentados acima, sendo que essas pessoas conseguiram, mesmo sofrendo as mesmas intempéries que outros em suas respectivas épocas, encarnar o que há de melhor no ser humano, através desta vibração crística.

Através deste breve resumo, podemos entender que a Umbanda não é uma religião cristã, mas sim uma religião crística que pode, sim, ter como base muitos conceitos do cristianismo interpretado da Bíblia Sagrada, mas sempre nos caberá uma vigília ainda maior por sermos universalistas e termos a obrigação de ajudarmos a todos, sejam cristãos, muçulmanos, taoistas, budistas, ou qualquer outra religião. Nossos atos devem sempre superar os dogmas.

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Padre Cícero e os Baianos da Umbanda


PADRE CÍCERO

Quem frequenta terreiro de Umbanda há algum tempo certamente ouviu falar algo sobre Padre Cícero, especialmente nos atendimentos com os Baianos da vertente do Cangaço. Eu mesmo me surpreendi há uns 2 anos quando um Guia que atua sob a irradiação de Corisco (que em sua história carrega a marca de ter sido o braço direito de Lampião e, talvez, o nome mais temido do Cangaço) falou comigo sobre como ele era devoto de Padre Cícero mesmo após ter desencarnado.

O fato do guia ter sua fé depositada em algum mártir após o desencarne não é o ponto principal (mas, sim, merece um estudo mais aprofundado futuramente), mas o que me deixou realmente intrigado é por qual motivo um padre excomungado pela Igreja Católica consegue ter a devoção de tantas pessoas, incluindo Guias Espirituais de grande evolução.
A história de Padre Cícero é repleta de controvérsias, e começa em meados de 1844 na cidade de Crato, interior do Ceará com seu nascimento. Aos 12 anos, inspirado pela história de São Francisco de Sales, fez voto de castidade, o que era algo bastante incomum na época, especial no interior do Nordeste. Em 1860, aos 16 anos, Cícero foi estudar em Cajazeiras, Paraíba, onde ficou apenas dois anos, pois seu pai faleceu em 1862. Isso o obrigou a parar de estudar e voltar para ajudar sua mãe e suas duas irmãs solteiras. A perda do pai trouxe graves problemas financeiros à família. Em 1865, aos 21 anos, entrou no seminário em Fortaleza.

Padre Cícero foi ordenado no dia 30 de novembro de 1870, com 26 anos. Voltou para Crato, à espera de uma paróquia para liderar. Nesse tempo, lecionou Latim no Colégio local.

No Natal de 1871, aos 28 anos, Padre Cícero conheceu o povoado de Juazeiro. Ao chegar na cidade, teve um sonho onde viu Jesus Cristo e os doze apóstolos junto a uma multidão de pessoas que carregavam seus pertences e levavam ao local onde ele se encontrava (em sonho). Jesus teria se virado para ele e dito “E você, Padre Cícero, tome conta deles”.

Entendendo que aquilo seria realmente uma mensagem de Jesus, decidiu acatar e adotou Juazeiro como seu lar. Foi pároco da única igreja local, a qual dedicou todo seu tempo não apenas com as pregações aos fiéis, mas também na reforma da estrutura física da paróquia. Até seus 45 anos de idade nada de muito especial ou diferente acontecia, porém em 1889 seu primeiro “milagre” (e, por consequência, sua primeira polêmica) surgiu: em uma missa, ao ministrar a comunhão a uma beata (a humilde costureira e doceira Maria Araújo), a hóstia consagrada teria se transformado em sangue.

Toda a imprensa local noticiaram o fenômeno, que ocorreu outras vezes. A Igreja Católica prontamente acusou Padre Cícero e a beata de fraude. Apesar do Vaticano aceitar, sim, que aquilo seria a evidência de um milagre, os responsáveis pela Igreja Católica no Brasil além de não aceitarem, ainda ridicularizavam a situação. Pierre-Auguste Chevalier, reitor do Seminário da Prainha dizia que “Jesus Cristo não iria sair da Europa para fazer milagres no sertão do Brasil”.

Apesar da não aceitação pela Igreja, fato é que os milagres atribuídos a Padre Cícero eram vistos por todos, e isso causou uma grande admiração (e posterior devoção) de milhares de pessoas que peregrinavam para conhecer o Padre e pedir curas.

Remaria de fiéis a Juazeiro nos dias atuais
Naquele mesmo ano Cícero foi banido da Igreja, mas continuava sendo referência espiritual e moral para toda a população mais humilde do Nordeste, o que lhe rendeu a oportunidade de se tornar prefeito de Juazeiro, para que conseguissem a emancipação política.

Apesar de possuir grande sabedoria, não era um grande orador, mas como sempre recebia visita das mais simples pessoas do Sertão, falava com eles o que conhecemos como “a língua do povo”. Chamava quem o procurava de “amiguinhos”, e era bastante carinhoso, apesar de severo quanto aos bons costumes da época, exigindo que todos evoluíssem. Sua frase mais famosa era “Quem bebeu não beba mais, quem roubou não roube mais, quem matou não mate mais”.

Como não podia mais celebrar batismos, ele próprio aceitava ser padrinho de inúmeras crianças, vindo daí o título de Padrinho Padre Cícero, que pela corruptela da linguagem popular, se tornou Padim Pade Ciço (aliás, foi dessa forma que o Guia de Luz a qual me referi no começo o chamou).

Vejam que Padre Cícero (que não era mais padre, mas não consigo deixar de chamá-lo desta forma) era uma pessoa humilde, mas com grande sabedoria. Argumentava com os poderosos da cúpula católica ao mesmo tempo que conversava com seus “amiguinhos” mais humildes e necessitados. Sabendo que não havia qualquer fraude nos milagres que operava, se mantinha firme e resoluto, ao ponto de não se abalar com sua expulsão da Igreja. Eu me atrevo a dizer que existe uma grande analogia entre Padre Cícero e nossos amados Pretos Velhos, tão perseguidos pelo homem branco, mas sempre íntegros em seus ideais.

Padre Cícero assina carta para Lampião
Em 1926, porém, aconteceu algo que mudaria a vida de um dos nomes mais importantes da história do Nordeste Brasileiro. Virgulino Ferreira da Silva já era conhecido como o temível Lampião, líder do Cangaço e possivelmente a pessoa mais temida do país, quando recebeu uma carta assinada por Padre Cícero, o qual Lampião era devoto fervoroso. No encontro que aconteceu em março, Lampião foi aconselhado a deixar a vida de violência que o acompanhava e pudesse passar a defender a região da Coluna Prestes. Lampião aceitou a oportunidade de mudar de vida e, além do aconselhamento de seu santo vivo (como ele o chamava), também recebeu armas, uma farda e a alcunha de capitão do Exército, passando a se chamar Capitão Virgulino Ferreira.

Todos que conhecem a história do Cangaço sabem que aquilo não teria um final desejado, já que Lampião não conseguiria simplesmente deixar para trás seu passado de muito sangue. O que ocorreu (e isso, amados leitores umbandistas, é uma opinião muito pessoal) foi a chancela de Padre Cícero junto ao Cangaço, que era um movimento que apesar de bastante violento, tinha na Justiça (a verdadeira, não a impressa nas páginas da Constituição) o seu norte, mas precisava ser redirecionado, para que continuasse existindo, mas sem a violência característica.

O Bando de Lampião
Mudar a forma de pensar de uma pessoa é muito difícil, então o que podemos dizer de todo um grupo que pensa há décadas da mesma forma? Ainda mais complicado. O que aconteceu, porém, era que o líder dos cangaceiros passou a pedir que o uso da violência fosse cada vez mais comedido, porém se fosse necessário mediante a afronta aos princípios morais, poderia ser realizado. Até então, o Cangaço era tido como um movimento único e exclusivamente político e social, mas a partir do encontro de Lampião com Padre Cícero, passou a ter um cunho quase religioso, devido à devoção do chefe dos cangaceiros. Os principais nomes do Cangaço, os que andavam lado a lado com Capitão Virgulino (Corisco, Zé Baiano, Zé Sereno, Canário, Maria Bonita, etc) iniciaram um processo de conversão à religiosidade tendo em Padre Cícero o ponto de referência moral a ser seguido.

Após seus desencarnes, cada um teve que pagar por aquilo que fez, e alguns cangaceiros puderam trabalhar na Umbanda para reparar seus erros. Não por coincidência os falangeiros que atuam na linha dos Baianos (do Cangaço) são justamente aqueles que eram devotos de Padre Cícero, como Corisco e Maria Bonita (que são facilmente encontrados trabalhando nos Terreiros da atualidade).

O poder da Fé que exalava de uma forma natural de Padre Cícero é tão grande que, mesmo em um país fundamentalmente católico (especialmente no século passado) e tendo sido expulso da Igreja, ele consegue converter até a mais ríspida pessoa, ao ponto de levar sua devoção para o Plano Espiritual. Padim Pade Ciço é tão da Umbanda quando qualquer Guia de Luz.

Saravá ao Padrinho de todos.

terça-feira, 27 de novembro de 2018

Ressignificação de Exu Dentro da Umbanda

Na minha constante busca pelo conhecimento através da troca de informações e experiências, me deparei com uma tese de Mestrado em Ciências da Religião muito interessante, feita por Lenny Francis Campos de Alvarenga para a Universidade Católica (PUC) de Goiás, no ano de 2006. Sua tese defendia a ressignificação de Exu dentro da Umbanda. 

Acredito que todo conhecimento deve ser compartilhados, então uma ótima leitura a todos (o trecho vai da página 44 a 63 da referida tese):

"
QUEM É EXU?

Exu é o mensageiro dos outros Orixás, e sem ele nada se faz.”  (Pierre Verger)
Tá chegando a meia-noite, Tá chegando à madrugada, Salve o povo de quimbanda, Sem Exu não se faz nada.” (Ponto cantado para Exu  de origem desconhecida;  muito popular em terreiros de umbanda, quimbanda  e alguns de candomblé)


Estas citações são alguns exemplos de como Exu é tido como importante dentro de terreiros de umbanda, quimbanda e candomblé espalhados pelo Brasil. 
Apesar de ter papéis e significados distintos dentro de cada uma destas manifestações religiosas, Exu, temido e adorado por muitos, é a expressão religiosa e a esperança de solução dos problemas de muitos fiéis e frequentadores de terreiros em todo o país. 

Sua significação é complexa, dependendo de sua origem e em qual religião se manifesta, tem caráter de divindade, mensageiro, protetor, escravo de outras divindades, demônio, espírito inferior e imperfeito. 

Na tradição africana, Exu é o princípio dinâmico que permeia tudo, ou seja, dinamiza tudo; Exu é aquele que permite as passagens (inclusive entre a terra e o além), que permite as trocas simbólicas, que leva e traz as comunicações, pois sem ele não há candomblé. Todo ritual, independente de qual for e para qual orixá é dirigido, é precedido por uma oferenda para Exu, também chamada de despacho. 

No jogo oracular dos búzios, é Exu quem leva as perguntas e quem traz as respostas, podendo ser ele mesmo quem responde. É comum se dizer nos candomblés que se o Exu da casa estiver de costas para o terreiro, este não prospera. 

Os Exus e pombagiras, geralmente denominados na umbanda “povos de rua”, são utilizados como agentes mágicos de atuação em diversos assuntos do mundo material: dinheiro, relacionamentos, negócios de qualquer natureza, vinganças, trabalhos de ódio, saúde, prosperidade, etc. 

Esses “povos de rua”, no caso da umbanda, são espíritos (egún) que já estiveram encarnados e que, quando vivos, eram marginalizados e segregados pela sociedade abastada, mas que transitavam com facilidade na boemia e em seus meandros, onde entraram em contato com a essência de muitas pessoas e diversos estilos de vida. Seria justamente por conhecer as falhas humanas, seus vícios e virtudes é que quando falecidos, esses espíritos se juntam às “correntes”24 de Exu. 

Em suas relações com os orixás dentro da umbanda, os Exus são tidos como Guardiões de seus mistérios, as vezes confundidos com ‘escravo’ dos orixás e dos guias espirituais (pretos-velhos, caboclos, etc) e funcionariam como verdadeiros soldados protetores do terreiro e das pessoas a ele ligados. Na umbanda, os Exus estarão sempre a esquerda, contrapondo a outra face da moeda: as correntes de direita. Onde as de direita comandam as falanges e desmancham trabalhos maléficos e os de esquerda podem tanto fazer trabalhos maléficos, quanto desmanchá-los. Mas vai depender sempre da denominação umbandista que o mesmo se manifesta (se for o caso). 

Os Exus são amorais, não são nem totalmente bons, nem totalmente maus, podendo desde realizar várias curas, como realizar trabalhos prejudiciais a outras pessoas. Essas características contribuíram com que os Exus fossem identificados com o diabo dos cristãos, e é por isso que vemos nas lojas de artigos religiosos especializados em umbanda aquelas imagens com chifres, rabos pontudos, tridentes, dentes afiados, pés de bode e cabras. Os Exus são constantemente confundidos com os kiumbas (espíritos inferiores que gostam de praticar o mal), que segundo as estórias perpetuadas pelos terreiros, adquirem qualquer forma e são mistificadores.  

Hierarquicamente os Exus estão acima dos kiumbas e abaixo dos guias espirituais e orixás de cada terreiro. Dentro da corrente de Exu, existem várias subcorrentes que são classificadas pelos seus nomes: Exu Tranca-Ruas, Exu Quebra-Galhos, Exu Zé Pelintra, Exu Caveira, Exu do Lodo, Exu Veludo, e mais uma infinidade de nomes. Cada uma destas subcorrentes contém uma infinidade de espíritos que atendem pelo nome genérico de cada entidade. Isto explica o fato de poder existir em um mesmo terreiro, dois ou mais Exus Tranca-Ruas ou Zé Pelintras incorporados. 

Os trabalhos de culto a Exu dentro dos terreiros de umbanda são caracterizados de duas maneiras: 1) como giras de Exu (trabalhos em que os exus incorporam em seus ‘cavalos’) e 2) Pontos firmados, oferendas e despachos (trabalhos em que os exus atuam invisivelmente, ou seja, sem a necessidade de incorporação destas entidades). 

MITOS, SÍMBOLOS E RITOS DE EXU – DA ÁFRICA AO BRASIL 


O culto a Exu remonta desde antes do surgimento da umbanda em nosso país, em meados de 1908. Sua origem se encontra na África, principalmente nos territórios localizados em Benin e na Nigéria, lugares onde residem os povos de língua yorubá e jejê, que o denominam de Legbá (VERGER, 1999[b], p. 119), apesar de que nas regiões bantu (Angola, Congo, Moçambique, etc) exista também uma divindade com estas características: Bonbonjira (que se transformou no Brasil em entidade feminina denominada de Pomba-Gira). Com o tráfico de escravos, estabelecido principalmente a partir do século XVI, vieram para o Brasil, mais especificamente para a Bahia, muitos negros sudaneses, em sua maioria yorubás; na bagagem, além da saudade, trouxeram também vários aspectos de sua cultura, entre elas a religião de seus ancestrais.

Na África, Exu Elegbara, mais comumente chamado Exu, é divindade essencial na cosmogonia da religião dos orixás. Divindade mensageira, representa também o princípio dinâmico capaz de dar ordem ou trazer desordem ao mundo (SANTOS, 1976, p. 130 e segs). Um mito conta que Exu, ao ver Xangô (divindade dos raios e trovões) tentar violentar Oxum (divindade das águas doces), impediu que a união se desse pela violência, evitando assim que tempestades torrenciais se precipitassem e destruíssem a terra e a ordem nela estabelecida; neste caso, Exu apareceu como princípio regulador da ordem natural.

Entre os autores clássicos há muita contradição sobre sua origem. Como personagem histórica, os habitantes de Jebu Odé (Nigéria) acreditam ter sido Exu o primeiro rei de Kêto (Alaketo), enquanto que os descendentes de Kêto na Bahia difundem um mito no qual ele teria sido rei em Jebu Odé (PRANDI, 2001[a], p. 47; VERGER, 1997, p. 76; 1999[b], p. 126), ou mesmo um dos companheiros de Odudua em sua chegada a Ilé Ifé (Nigéria).

Frobenius (1912, pág. 232, apud VERGER, 1999[b], pág. 122) assiná-la que em Ilé Ifé acredita-se que ele tenha surgido no leste, ao mesmo tempo em que no leste fazem alusão a existência de duas divindades que se confundem: Exu Elegbará ao norte, entre os yorubás e Legbá, divindade fálica ao sul, entre os fon. Maupoil (1943, pág. 80, apud VERGER, 1999[b], pág. 122) encontrou relatos que afirmam que Legbá era um homem que se transformou em Vodum em Ijebu (antigo Daomé). Em Ijebu, Epega (1931, pág. 21, apud VERGER, 1997[b], pág. 76) encontrou informações de que Exu teria surgido em Ilé Ifé. Todas estas contradições parecem apenas reforçar o caráter extremamente dinâmico e onipresente de Exu. 

Sobre seus principais lugares de culto, Verger (1999[b], p. 122-137) aponta: Woro, que Baudin (1884, pág. 44, apud VERGER, 1999[b], pág.122) identificou como a cidade que abriga seu principal templo; Larro, onde os irmãos Lander (1832, pág. 144, apud VERGER, 1999[b], pág, 126) identificaram e descreveram as atividades de um sacerdote de Exu; Pobè, onde os sacerdotes de Exu são ligados a diversos cultos e templos de outros Orixás; Òyó, onde Exu habita o mercado e lhe são consagrados sacerdotes; Abéokuta, onde foram realizados os primeiros relatos sobre Exu; Ondo, onde o culto a Exu é generalizado; Oxogbo, onde Exu é guardião da cidade; Ouidah, onde foram realizadas as principais descrições históricas a respeito de Legbá e muitas outras cidades e regiões da África onde há culto aos orixás e Voduns

A respeito das características icnográficas destas entidades, os primeiros relatos etnográficos feitos na África se referem à Legbá. Pommegorge descreveu um assentamento de Legbá em Ouidah (antigo Daomé) como sendo o de um deus Príapo com as características do falo bem exageradas e desproporcionais e Duncan (1847, v. I, pág. 114, apud VERGER, 1999[b], pág. 133) o descreveu como sendo um montículo de argila com formato que caricatura um homem de cócoras. As estátuas de Legbá apresentam 
um caráter lascivo e erótico (chegando a ser cômicas), enquanto que as de Exu, contém colares de contas, fileiras de búzios, cabacinhas, a cabeça adornada com chapéu pontudo (onde estaria escondido uma lâmina que lhe sai da cabeça) e carregando um porrete em formato fálico: ogó, instrumento mágico que lhe permite atrair coisas localizadas a grandes distâncias e percorrer as mesmas em pouquíssimo tempo, e com o qual faz gestos obscenos para as platéias presentes nas festas e comemorações religiosas na qual toma parte no corpo de uma de suas iaôs.

Exu Elegbará tem seus assentamentos representados por montículos de terra enfeitados com búzios que lembram os olhos, a boca e o nariz. Outra representação muito comum é através da pedra laterita25, onde são depositadas suas oferendas. Verger (1999[b], p. 127) não identificou entre os yorubás nenhum assentamento de Exu que apresentasse o volumoso falo de Legbá. 

Apesar das características fálicas de Legbá, Verger (1999[b], p. 127) rejeita a idéia de que esta divindade seja responsável pela fecundidade e pela copulação; para Verger, a presença do falo “é a afirmação de seu caráter truculento, violento, desavergonhado e o desejo de chocar os bons costumes” 

Tanto no Brasil como na África, as cores de Exu são o preto e o vermelho. Seus assentamentos no Brasil são simbolizados pelo tridente de ferro enterrados em pequenos montículos de terra e suas estátuas podem ser feitas de ferro, barro, gesso, madeira, etc., mas na maioria das vezes, sua representação vai conter algumas destas características: chifres, pés de bode ou cabra, dentes, unhas e rabos pontudos, capas pretas e/ou vermelhas, tridentes e feições ferozes e traços sombrios (características icnográficas que acabam reforçando a identificação de Exu com o diabo dos cristãos da Idade Média).  

Exu é dono do dendê, óleo extraído do dendezeiro e fundamental tanto para a liturgia do candomblé, por ser portador e veículo poderoso de axé, como também para a culinária afro-descendente (LODY, 1992, pp. 09-11). Exu também é ligado ao fogo, que pertence ao Orixá Xangô; ligação esta que também pode ter contribuído para associar Exu ao diabo dos cristãos (o elemento fogo associado ao inferno).

No Brasil, sua primazia no candomblé é inegável, onde goza do direito de ser o primeiro a receber as oferendas em todo e qualquer ritual ou “trabalho”, mesmo os dirigidos a outras divindades. Esta primazia é legitimada por mitos perpetuados para a manutenção da ordem e status quo da religião (ELIADE, 2000, p. 08), como por exemplo, no mito em que cumpre o preceito de respeito e submissão, sendo o único a usar na cabeça o ecodidé (pena de papagaio vermelho) na presença de Olodumaré (o Deus supremo) e recebendo deste a primazia das homenagens (PRANDI, 2001[b], pp. 42-44). Em outro mito, a fome de Exu, que causava o desaparecimento de todos os alimentos da terra, foi aplacada por Orunmilá (orixá do oráculo de Ifá), quando este determinou que para haver harmonia e abundância 
entre os homens Exu deveria comer em primeiro lugar.

No candomblé, seu status é de orixá mensageiro, como na África, estabelecendo o contato dos homens com os outros orixás. Esta função está bem estabelecida no jogo oracular dos Búzios, onde é Exu quem leva as perguntas e traz as respostas, traduzindo-as, sendo às vezes, (como já foi dito) ele próprio quem as responde (PRANDI, 2001[a], p. 48). Mesmo no oráculo de Ifá (opelê-ifá), do qual o jogo de búzios é uma variante mais simples, Exu aparece como o orixá que revela os segredos da adivinhação para Ifá e posteriormente o revela também aos homens, pois Exu é o princípio comunicador de tudo e de todos.

Dono das entradas e passagens, Exu têm seus assentamentos nas entradas das casas e dos terreiros; na África, principalmente no Benin e na Nigéria, Exu está na entrada das cidades, vilarejos, feiras, etc (VERGER, 1997, p. 76). Bastide (1978, pp. 179-182) afirma que no Brasil, cada terreiro de candomblé têm dois exus assentados, o primeiro deles de caráter extremamente arredio, agressivo e virulento estaria assentado na entrada do Ilê Axé (terreiro), enquanto o segundo, com características mais amenas, às vezes brincalhão, sedutor e cortês, em outras sério e conselheiro, mas sempre vaidoso e orgulhoso de sua posição, chamado muitas vezes de “compadre”28, está assentado na entrada do barracão onde são realizadas as festas públicas.

Sabe-se, entretanto, que qualquer terreiro de candomblé pode apresentar mais de dois Exus assentados, podendo variar este número de acordo com as qualidades de Exu presentes no terreiro. Exu também é o dono das encruzilhadas, atribuição e qualidade que recebeu de Oxalá (PRANDI, 2001[b], p. 40); qualidade esta que manteve na umbanda, sendo também o espaço sagrado onde recebe suas oferendas e despachos. 

Prandi (1996, pp. 67-72) afirma que a umbanda, influenciada pelas 
concepções cristãs do catolicismo e do kardecismo, instituiu a divisão entre o bem e 
o mal (mesmo que relativo) através da divisão de sua hierarquia espiritual em “linha 
da direita” e “linha da esquerda”. A linha da direita é composta por entidades de luz 
evoluídas do plano espiritual, como os caboclos e pretos-velhos e a linha da 
esquerda é composta por Exus e Pomba-Giras, entidades atrasadas, sem luz e 
amorais, que podem, devido ao seu grau de evolução, trabalhar tanto para o bem 
(i.e. trabalhos de cura, desfazer feitiços) quanto para o mal (i.e. trabalhos de morte, 
vingança e amarração), conforme seja o pedido (SAIDENBERG, 1978, pp. 54-58 & 

ALMEIDA, 1987, p. 17).

Muitas atribuições de Exu passaram do candomblé para a umbanda, onde seus “pontos” são “firmados” nas entradas dos terreiros e também dos barracões, os exus de umbanda passaram a ter características específicas de acordo com o terreiro (mas sempre como egún), a história de vida de seus dirigentes, e o sincretismo praticado em cada casa. Para Almeida (1987, pp. 16-17), os Exus atuais se diferem da figura mítica de Exu trazida da África e dos Exus das primeiras décadas do século XX.

Na umbanda atual, os Exus seriam entidades em desenvolvimento espiritual e moral (SAIDENBERG, 1978, p. 57 & ALMEIDA, 1987, p. 17).  Para DellaMonica (1993, pp. 68-69) os Exus e Pomba-Giras de umbanda  não têm uma forma específica, podendo adquirir qualquer forma de acordo com sua vontade. Alguns dos Exus e Pomba-Giras citados por ela são: Exu Marabô, Exu Quebra-Galhos, Exu da Capa Preta (todos ligados a Xangô); Exu Omulu (ligado ao Orixá Omulu); Exu Caveira (ligado a Orunmilá), Exu Sete Encruzilhadas (ligado a Oxalá), Exu Tranca-Ruas, Exu Tranca-Tudo, Exu Tira-Teimas, Exu Tronqueira 
(ligados a Ogum); Exu Veludo (ligado a Oxossi); Exu Pedra Negra (ligado a Tempo32); Exu Calunga (ligado a Oxum), Pomba-Gira Cigana (ligada a Oxum); 
Pomba-Gira da Praia (ligada a Yemanjá), Pomba-Gira Maria Padilha (ligada a Nanã) 
entre tantos outros Exus e Pomba-Giras (DELLAMONICA, 1993, pp. 77-80).

Vale lembrar que existe uma infinidade de Exus que são cultuados em diversos terreiros 
de umbanda em todo o Brasil, e mesmo a lista de correlações entre os Exus e os 
orixás a que estariam ligados vai depender sempre de terreiro para terreiro. 

No candomblé cada Orixá tem seu peji (lugar onde se encontra o assentamento), chamado de “casa”, em uma localização específica dentro do Ilê Axé. Esses assentamentos podem ser públicos ou privativos aos iniciados, tendo Exu (ou vários Exus do terreiro) também a sua casa, geralmente próxima à porta de entrada do mesmo ou próximo a matas e passagens importantes. Alguns terreiros de umbanda mantiveram esta tendência, principalmente no caso de Exu, que chega a ter um barracão específico para a realização de suas giras e festas.

Mas, recentemente, tem-se observado que muitos terreiros de umbanda não realizam 
mais as giras de Exu e em muitos casos, não os mantém nem mesmo como entidades de “pontos firmados” protegendo seus terreiros. Em entrevista realizada com Pedro Miranda, dirigente de um dos mais antigos e respeitáveis terreiros de umbanda no Brasil, “Tenda Espírita São Jorge” fundada em 1936, este declarou: "... desde o início a Tenda São Jorge fez gira de Exu. [...] Nós temos alguns segmentos religiosos respeitáveis dentro da Umbanda que não fazem gira de Exu. Por exemplo, a Tenda Nossa Senhora da Piedade e o Centro Espírita Caminheiros da Verdade. Nosso irmão João Carneiro dizia: ‘Esse negócio de que de que na Umbanda, sem exu não se faz nada, é uma palhaçada’. [...] A tenda espírita Mirim, do Caboclo Mirim, [...] que deixou 43 filiais, era uma coisa espetacular e também não fazia gira de Exu".


Mas apesar de também ser um fenômeno histórico, visto que segundo o entrevistado, o primeiro terreiro de umbanda fundado em 1908 por Fernandino Zélio de Morais, “Nossa Senhora da Piedade”, não praticava a gira de Exu, é também um fenômeno novo, visto que em várias reportagens (publicadas principalmente no Jornal de Umbanda Sagrada e na Revista Espiritual de Umbanda) e sites e páginas da web que tratam sobre o assunto, uma das perguntas repetidas a todos os praticantes de umbanda é se realizam giras de Exu, e o que acham daqueles que não a fazem ou deixaram de fazer. 

O que aconteceu com a primazia mítica de Exu sobre os outros Orixás para o recebimento de obrigações e oferendas? Os Exus deixaram de ter a função de mensageiros? Os Exus desapareceram dos terreiros de umbanda ou foram “remanejados” para outras funções devido a uma ressignificação de sua imagem e personalidade? Seria por causa de sua identificação com o Diabo cristão? Será uma resposta às denominações cristãs, mais recentemente as neopentecostais que utilizam principalmente a figura de Exu para atacar as religiões afro e tentar agregar novos adeptos convertidos ou temerosos de sofrerem os ataques de Exu? Ou devido a uma tendência moderna (ou mesmo pós-moderna) de sistematizar uma teologia e doutrina única para a umbanda, diferenciada do candomblé, onde esta tendência a ressignificação é explicita, mas na qual é negado qualquer influência de outras tradições? 

Mas apesar dos avanços de pesquisa, estes aspectos atuais sobre Exu têm permanecendo obscuros por falta de estudos mais específicos sobre esta figura de fundamental importância dentro dos cultos afro. No caso específico da ressignificação ou a supressão (desaparecimento) da gira de culto a Exu dentro da umbanda, derivada das tradicionais matrizes africanas, pode apresentar três aspectos, relacionados acima nas três últimas perguntas, mas colocadas aqui como hipóteses: a) Ser fruto da identificação com a imagem do diabo cristão, b) com a moral apregoada pelo espiritismo com o qual a umbanda está ligada desde seu nascimento, e c) por uma tendência a sistematizar uma teologia e doutrina umbandista. 


O QUE MUDOU?

EXU E AS PRINCIPAIS CORRENTES DE PENSAMENTO UMBANDISTAS 


Enquanto na África seus mitos, citados em parte anteriormente, propagam sua importância primordial, no Brasil e na umbanda ele é legado a ser ‘escravo’ de outras divindades e entidades. 

É fato consumado que a umbanda já nasce oficialmente sem giras para Exu na Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade. Mas quando surgem oficialmente dentro da umbanda nos anos 40 sob os auspícios do Caboclo Tupinambá, já surgem com a principal das diferenças: Exu-orixá da África e do candomblé se transformando em Exu-egún na mbanda brasileira. Mata-se a divindade Exu e num processo de “morte natural”, Exu se transforma em egún, um espírito de morto. 

Com a premissa de Exu, o orixá, ter se transformado em Exu, um egún, sua importância e função são sistematicamente modificadas. No episódio do Caboclo Tupinambá, já acontece uma mudança de premissa. Ao invés de vir antes das outras entidades, eles vêm depois destas para trabalhar (RONTON, 1989 p. 10), o que já demonstra claramente estar Exu sendo preterido em sua primazia. 

Outra mudança evidente neste processo de ressignificação é a forma de comunicação com Exu. Na África, tal qual nos candomblés mais tradicionais fala-se com Exu ou com qualquer outro orixá somente através de oráculos: Opelê-Ifá, cauris, búzios, obi, orobó, etc (BRAGA, 1988, pp. 75, 78-79, 95-97). Na umbanda, a consulta para se falar com Exu passa a ser através da incorporação da entidade na faculdade mediúnica de algum indivíduo que a tenha.

É interessante notar que apesar de Exu ter sofrido uma ressignificação tão acentuada, algumas de suas características e domínios são mantidos na maioria das casas de Umbanda: as entradas, as encruzilhadas, as cores preto e vermelho e mesmo a premissa de que Exu tanto pode fazer o bem quanto fazer o mal. Este último aspecto é evidente na dualidade apresentada neste ponto cantado: 

Exu que tem duas cabeças, Ele faz sua gira com fé (2x) Uma é Satanás dos Infernos E a outra é de Jesus Nazaré

Exu é associado ao Diabo em seu aspecto maléfico e a Jesus em seu aspecto de fazer o bem.

Na tentativa de responder as questões formuladas, principalmente no que concerne a sistematização da teologia e da doutrina de umbanda e para que possamos compreender com mais clareza estas modificações na imagem de Exu, se faz necessário abordar as correntes de pensamento onde elas aconteceram. As escolas analisadas atendem ao fato de apresentarem uma sistematização da teologia e doutrina umbandistas e que no corpo de suas explicações abraçam a figura de Exu. Estas escolas são:

1) Escola de Mirim do Caboclo Mirim;
2) Umbanda Esotérica (Aumbhanda) de W. W. da Matta e Silva;
3) Umbanda Iniciática (Ombhandhum) de Rivas Neto; 4) Umbanda Sagrada de Rubens Saraceni. 

Ponto comum para estas escolas é que todas elas rejeitam a ideia de que a figura de Exu está associada ao diabo dos cristãos.

A Umbanda da Escola de Mirim não trabalha fazendo giras específicas (com dias e horários exclusivos) a Exu. Para eles Exu é um “agente mágico universal”, entidade de ação, podendo ser ao mesmo tempo ‘neutro’, ‘positivo’ e ‘negativo’ (DECELSO, sd, p. 24 e segs.). Na Escola de Mirim, Exu é uma entidade tripolar, o que justifica o uso do tridente, onde cada uma das ponteiras representaria uma polaridade; o que faz de Exu essencial em qualquer trabalho por sua capacidade de transformar as energias do ambiente, atuando sempre sob a égide dos mestres espirituais da umbanda a quem devem prestar contas. 
 Na umbanda do Caboclo Mirim “suas sessões de caridade sempre foram muito produtivas, pois todos davam sua contribuição para alcançar o bem-estar e a cura de seu semelhante: do encarnado ao desencarnado, do Caboclo ao Exu, todos participavam simultaneamente do atendimento ao público, com discrição e perfeita harmonia”

Na Umbanda Esotérica, Exu é o agente kármico responsável pelo cumprimento da lei e da justiça. É ele quem executa a “lei do retorno”, ou seja, é ele quem traz o positivo para quem faz o bem e o negativo para quem faz o mal (MATTA E SILVA, 1997, p. 40 e segs.). 

W. W. da Matta e Silva apresenta em “Umbanda de todos nós” um intrincado sistema de identificação etiológica para explicar a origem da palavra Exu; o que em última análise poderia explicar a própria origem de Exu dentro de seu sistema de pensamento tido como esotérico: 

"A palavra EXU, cremos, é corruptela ou correspondência fonética de ‘Yrschú”, que de 55 séculos para cá, vem encarnando o Princípio do Mal. Yrschú [...] foi o nome do regente que comandou o ‘Schisma’ indiano, que estremeceu o Mundo dessa época... A vibração malévola da palavra Yrschú teve, logicamente, no espaço, seus afeiçoados, que encarnam nela os princípios negativos..."


Para W. W. da Matta e Silva, a umbanda, nos seus fundamentos espirituais, é composta por Sete Planos da Lei, tanto nos seus aspectos positivos, quanto nos seus aspectos negativos. Os aspectos positivos seriam relacionados ao desenvolvimento e ordenação do mundo e estariam representados da seguinte forma: Orixalá (A Essência Divina), Yemanjá (O poder oculto da palavra), Yori (O poder do verbo), Xangô (O poder do conhecimento), Yorimá (O poder da palavra da lei), Oxossi (O poder da vontade) e Ogum (O poder do pensamento criador) (DELLAMONICA, 1993, pp. 83-86)

Em contrapartida os Sete Planos Negativos que correspondem aos Positivos são todos chefiados por Exus e estão distribuídos da seguinte forma: Exu Sete Encruzilhadas (corresponde à vibração de Orixalá), Exu Pomba-Gira (corresponde a Yemanjá), Exu Tiriri (corresponde à vibração de Yori), Exu Gira-Mundo (corresponde à vibração de Xangô), Exu Tranca-Ruas (corresponde à vibração de Ogum), Exu Marabô (correspondem à vibração de Oxóssi) e Exu Pinga-Fogo (corresponde à vibração de Yorimá) (MATTA E SILVA, 1997, pp. 40 e segs.). 

Exu, portanto, dentro da Umbanda Esotérica, não pratica o mal porque é mau, mas sim porque ele é o agente responsável pela execução do karma segundo o merecimento das pessoas. Na Umbanda Iniciática (Ombhandhum), derivada da Esotérica, Exu é um Arcano que guarda todos os segredos iniciáticos, sendo portanto o guardião dos mistérios e segredos da Síntese Religiosa.

É Exu quem guarda os segredos das forças sutis da natureza, ajuda a criar e renovar todas as forças dos reinos mineral, vegetal e animal e dos elementos terra, fogo, ar e água, além de proteger os segredos de outras dimensões da vida. Por conhecer todos estes segredos, é Exu quem executa a Magia e a Justiça (NETO, 1993, pp. 15 e segs.). 

Na Ombhandhum, Exu é uma entidade telúrica, apresentando aqui uma dimensão tripolar; por estas características, Exu é usado nos trabalhos de limpeza e descarga (NETO, 1993, pp. 15 e segs.). Novamente aqui não existe a perspectiva de que Exu é mal, mas de que ele apenas faz retornar o mal a quem o faz, estando ligado direta e exclusivamente, neste caso, a parcela passiva do karma (reação) (NETO 1993, pp. 15 e segs.). Suas origens nesta modalidade de umbanda são muito semelhantes à Esotérica, por isso não faremos menção a ela. 

A Umbanda Sagrada de Rubens Saraceni faz uma diferenciação de Planos Positivos e Negativos semelhante a Umbanda Esotérica, mas um ponto decisivo vai diferenciar as duas doutrinas: a função de Exu. Enquanto na Umbanda Esotérica, o Plano Positivo era contraposto pelo negativo através dos Exus, para Rubens Saraceni (2005, pp. 25 e segs.), Exu não pertence ao Plano Negativo em si, justamente por ser tripolar. A Função de Exu então, seria a de Guardião dos Planos Negativos, que segundo Saraceni (1997, p. 240) não podem ser revelados aos humanos, para que estes não atuem negativamente na vida das pessoas e nos Planos Positivos. 

Para Saraceni (1997, pp. 238-240), os Exus não são egúns, pois nunca encarnaram na terra, sendo, portanto, uma espécie de “encantados”, pois pertenceriam a outro plano da criação e estariam trabalhando como Exus para que pudessem se “humanizar”36 e poder então encarnar na Terra e começar seu ciclo de encarnações para que possa evoluir. 
Exu é um executor das leis divinas, tanto para o bem, quanto para o mal, além de ser patrono da sexualidade masculina, tendo seu contra-ponto na figura de Pomba-Gira (SARACENI, 2005, pp. 25 e segs.).  Para Saraceni (1997, p. 240-241), nem mesmo o nome Exu é apropriado para designar esta entidade e suas funções. Para ele, o nome correto (que lhe foi revelado via psicografia) é Mehór Yê, que significa, segundo ele, “senhor da potência e da virilidade” (SARACENI, 1997 p. 241). 


Vimos, portanto, nas explanações acima, que Exu, longe de ser aquela entidade malévola apresentada a nós pelo imaginário coletivo de representação da mesma, é uma entidade com importantes funções, todas elas relacionadas à evolução e a proteção das leis divinas, à qual, em todos os exemplos acima, estão subjugadas a ‘entidades mais evoluídas’. 

A pergunta é: Por que ressignificá-lo? Por que é importante para a umbanda que Exu não seja mais visto como uma entidade do mal, ou pior, sendo diretamente e constantemente relacionada ao diabo? 


OS ELEMENTOS RELACIONADOS À RESSIGNIFICAÇÃO DE EXU 


Levando em consideração que o fenômeno da ressignificação (identificado na 
literatura) da imagem e função e Exu é mais evidente do que o da supressão 
(desaparecimento) de seu culto, que mesmo quando acontece, está sempre 
associado a ressignificação em si, partimos então na tentativa de evidenciar as 

variáveis envolvidas na explicação do fenômeno. 

Para tal faz-se necessário retornar as perguntas e hipóteses iniciais: 


  • A primazia de Exu nas oferendas e demais trabalhos relacionados a umbanda acabou? Vimos que sim, como apresentado no episódio amplamente divulgado do caboclo Tupinambá e o início das giras a Exu na umbanda nos anos de 1940 (vide páginas 37 e 58 desta dissertação). 
  • Exu deixou de ter a função de mensageiros na umbanda? Sim, posto que o mesmo passou a participar ao mesmo tempo dos trabalhos de outras entidades e orixás dentro da umbanda, como visto na citação de Teixeira (sd) referente ao trabalho mediúnico na Escola de Mirim
  • Os exus desapareceram ou foram remanejados para outras funções? As evidências apontaram para o fato de que passaram a ser ressignificados (tanto em imagem quanto em função), pois mesmo quando suprimidos, assim foi feito devido a um processo de intensa modificação de seu significado ao qual foi submetido ao longo da história da umbanda. 
  • Como é evidente que a resposta a todas as perguntas acima são transversalizadas pela questão da ressignificação da função e imagem de Exu dentro do culto umbandista, torna-se necessário à verificação das possíveis hipóteses e suas variáveis relacionadas, a saber:
  • A ressignificação de Exu dentro da umbanda é fruto do processo de identificação de Exu com o diabo dos cristãos;
  • Esta ressignificação é resposta aos constantes ataques cristãos, mais recentemente de correntes evangélicas neopentecostais. 
  • A ressignificação de Exu dentro da umbanda obedece a uma tendência moderna de sistematizar a teologia e doutrina umbandista, geralmente considerada tão difusa. 
ME Lenny Francis Campos de Alvarenga

Lenny é formada em psicologia pela PUC de Goiás e tem Mestrado em Ciências da Religião, também pela PUC. Atualmente é professora de Filosofia, Psicologia (coordenadora do Núcleo de Pesquisas), Sociologia, Antropologia Jurídica, Antropologia, Antropoformismo e Zooformismo, Antropologia das Religiões Afro-Brasileiras, Psicologia da Educação, Psicologia da Saúde, entre outros, na Universidade de Rio Verde - FESURV.

Participa dos projetos de pesquisa: "Explicação do Comportamento: Antropformismo e Zooformismo", "A Atribuição de Emoções em Traços Faciais Artificiais" e "Do Particular ao Universal: Estratégias e Métodos de Sobrevivência da Religião dos Orixás no Mundo Moderno Globalizado"