segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Estudo Sobre os Caboclos - Parte 1


INÍCIO - QUEM É O CABOCLO E QUEM ERAM OS ÍNDIOS

A Umbanda é uma religião que, de forma simbólica, utiliza grupos de indivíduos bastante questionados pela sociedade e os torna foco dentro das práticas religiosas. Se com os Pretos Velhos, que representavam os escravos, foi assim, não seria diferente com aquela linha responsável pelo anúncio da Umbanda: os caboclos.

É de conhecimento público e notório que Brasil, muito antes de ser colonizado pelos portugueses, era povoado única e exclusivamente pelos índios, que se espalhavam em milhares de tribos por todo território. Com a chegada dos colonos, os índios foram chacinados por vários motivos possíveis e imagináveis: eles não estavam acostumados a qualquer tipo de escravização, portanto simplesmente se negavam a serem escravos. Eles cultuavam forças da natureza e espíritos da mata, e isso era algo inimaginável pelos portugueses que, de forma arbitrária, tentavam impor a religião católica para os índios. As índias, adultas e crianças, eram estupradas e mortas todos os dias. Essa situação toda causou o desaparecimento de vários povos indígenas, chegando ao ponto do último CENSO do IBGE apontar que menos de 0,3% de toda população brasileira atualmente é indígena.

A Umbanda foi anunciada pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas justamente para mostrar que é uma religião brasileira que vem para colocar todos no mesmo balaio, sem distinção de raça, condição social, religião, etc, porém também é uma religião que promove a justiça. Enaltecer os negros mortos pela escravidão tendo os Pretos Velhos como um dos pilares foi uma forma de justiça, mas deixar ao cargo de um índio anunciar a Umbanda, foi o principal ato de justiça que poderia existir, pois é o reconhecimento da Espiritualidade que algo precisava ser resgatado e reparado. Entendo que foi uma forma para o homem branco, ligados direta ou indiretamente aos colonizadores, entender que o Brasil, pátria da Umbanda, é um país de indígenas.

A definição de caboclo é uma pessoa nascida de pai índio e mãe branca, ou vice versa. Os caboclos falangeiros na verdade são índios, mas a denominação “caboclo” se dá justamente para deixar bastante claro que a Umbanda veio para unir o índio nativo com o branco colonizador, sem precisar um se sobrepor ao outro, mas trabalharem em harmonia em prol da Caridade. Quando você estiver num terreiro, portanto, saiba que aquele caboclo representa a força de um índio, com toda sabedoria e conhecimento que sua ancestralidade traz.


A LINGUAGEM DO CABOCLO

Uma situação que ocorre bastante nos terreiros de Umbanda, é o fato de alguns dos Caboclos se negam a conversar em português e recorrem ao Tupi Guarani para se comunicarem. Eu já presenciei várias vezes caboclos que tinham que fazer gestos para serem entendidos e, não raro, ficavam inquietos por não se fazerem entender. Eu me questionava como poderia aquilo ocorrer já que todos os Guias são doutrinados pela Espiritualidade antes de terem a autorização para trabalharem incorporados e, como fariam a Caridade através de uma consulta, se não pudessem ser entendidos? Aquilo realmente me incomodava, então resolvi pesquisar a respeito várias questões que são inerentes a este caso. A primeira coisa que fui pesquisar são os fatos, os quais não podem ser contestados, já que são baseados em estudos e compilados pela FUNAI: quais eram as línguas mais faladas pelos índios?

Realmente a língua Tupi era a mais falada pelos índios, porém existe uma infinidade de dialetos dentro do Tupi, então quando escutamos que determinado Guia fala Tupi, precisamos questionar qual o dialeto do Tupi que ele fala. Eu fiz isso recentemente e não obtive uma resposta, o que me levou a verificar se ali existia algum tipo de mistificação por parte do médium, ou algum ensinamento que a Espiritualidade estava passando através daquele Guia. No final deste capítulo pontuarei o que consegui determinar.

Índios Kaingang
Em outra situação, conversei com um Caboclo que falava uma mistura de português com um dialeto Tupi, e ele se apresentou como da tribo caingangue. Fui pesquisar essa tribo e descobri que se trata dos Kaingang, uma das maiores do país e também uma das mais espalhada em todo Território Nacional, ainda com representantes em São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Os primeiros portugueses que chegaram ao Brasil encontraram os Kaingang e existem registros históricos que apontam verdadeiras brigas entre esses índios e os colonos, por isso ainda estão espalhados pelo Brasil. Essa tribo falava (e ainda falam) a língua definida como caingangue, a qual pertence ao tronco linguístico “macro-jê”, completamente distinto do Tupi Guarani.

Em cima desses dois fatos, remeti ao que meu antigo mestre, Pai Joaquim (não o preto Velho, mas o Pai de Santo de São Paulo, o qual me ensinou muita coisa da Umbanda e, durante 12 anos, foi meu sogro) que me dizia que o caboclo que trabalhava com ele, o, para mim saudoso, Cacique Tibiriçá, em determinada época incorporava em seu cavalo (médium) falando algum dialeto Tupi, porém com o tempo foi se adaptando e falava naturalmente o Português (mesmo que com aquele sotaque característico dos caboclos). Isso começou a ocorrer quando, em uma determinada gira, um Ogã cantou um ponto que era mais ou menos assim:
Caboclo veio falar com gente branca
Caboclo fala a língua de gente branca

Seria o Guia Espiritual doutrinado em Tupi-Guarani e, dependendo do grau de evolução do médium, ele falaria em sua língua nativa? A Mãe Nazareth, sacerdotisa de Umbanda na Tenda de Umbanda Iansã e Cacique Tupinambá, localizada em São Paulo, ao ser questionada sobre o porquê de os caboclos falarem Tupi-Guarani quando incorporados, respondeu:

Mãe Nazaret - T.U Iansã e Cacique Tupinambá
Os Caboclos, incorporados nos médiuns de Umbanda, transmitem aos consulentes suas mensagens na língua do médium. Se o médium é descendente de índios e traz em sua memória os dialetos usados pelos seus ancestrais ou, ainda, se estudou tupi-guarani, seus conhecimentos irão ajudar o Caboclo, caso este precise se comunicar com outros índios encarnados, o compromisso dele é comunicar-se na língua do povo onde ele se encontra.
Os médiuns da Umbanda, obrigatoriamente, não trabalham somente com índios brasileiros, mas também com espíritos indígenas que viveram em muitas partes do mundo.

Os Caboclos, assim como os Ciganos, podem ou não falar em sua língua ancestral. Naturalmente, os espíritos têm na memória espiritual as línguas faladas nos países onde eles estiveram encarnados, mas a ordem espiritual é: falar na língua de Zambi (Deus) é falar na língua do povo do país onde ele foi designado para trabalhar.

Há criaturas ignorantes que tentam exigir dos Guias coisas impossíveis, assim como: se o senhor é Cigano, fale em sua língua! Entendam, que se ele "incorporar" em um médium cigano, conhecedor da língua e se estiver se dirigindo ao Povo Cigano, com toda certeza, ele utilizará a língua cigana para se comunicar, mas se o médium é brasileiro a língua que o Espírito utilizará será sempre o português, mesmo porque o consulente, que desconhece o romani, não entenderá nada, assim como o médium, que desconhece a língua, não terá condições de transmitir a mensagem recebida. Sabem por quê? Simplesmente porque o médium é uma antena, que capta apenas o que pode transmitir e assim, não podemos exigir do Guia aquilo que o seu médium não pode lhe oferecer. A Entidade Espiritual vem com tanta humildade servir nos Templos e a ignorância de alguns nos envergonha diante deles
”.

Caboclo Jaguará - reprodução artística
O Caboclo Jaguara, o qual conheço com certa intimidade pela grande afinidade espiritual e energética, me disse, ao ser questionado o porquê alguns Caboclos incorporam falando Tupi, que durante muito tempo o homem branco com toda sua arrogância determinava o que os índios fariam, como deveriam se vestir, se comportar, em que deveriam acreditar e até mesmo como deveriam falar, tentando colocar a língua portuguesa entre as tribos. Hoje quando um homem branco pede ajuda a um Caboclo, receberá essa ajuda conforme seu merecimento, mas também deverá aprender a se comunicar com o Guia, e não o contrário. É claro que, segundo o Caboclo Jaguara, ao verificar que o consulente não está entendendo, o Guia passa a falar em português, pois não tem lógica ensinar a quem não entende o primeiro canal de comunicação entre as partes, que é a fala.

Quando existe, no entanto, uma aparente irritação do Guia ao insistir em falar uma língua que o assistido não entende e mesmo assim ele (Caboclo) não faz nada a respeito, então é provável que o ego do médium está impedindo que isso aconteça. Infelizmente, ainda conforme o Caboclo Jaguara, é cada vez mais comum os médiuns, mesmo que de forma involuntária, fazerem coisas para serem notados perante os demais e acabam não entrando em sintonia como se deve com os Guias que os acompanham, acarretando nesse tipo de situação constrangedora.  

A forma como boa parte dos Caboclos falam, com o sotaque indígena, porém, é justificável, por serem Guias que foram doutrinados para atuarem na Umbanda por um Falangeiro que, este sim, era um índio quando encarnado, portanto ensinava o que precisava em Tupi. O que devemos sempre lembrar e deixar bastante claro para que não haja mal-entendidos, é que os Guias que atuam incorporados nos médiuns prestando o atendimento nos Terreiros, não são falangeiros, portanto pode ser que aquele Caboclo que conversamos numa Gira, nem ao menos era um índio quando encarnado. Por afinidade energética decidiu trabalhar na Umbanda como Caboclo, apenas isso.

Analisando tudo o que verifiquei e estudei, consigo ter a certeza que a força dos Caboclos é uma das principais em nossa religião, porém deve ser tratada com muito respeito e serenidade por parte dos médiuns, que não devem de qualquer forma confundir a possibilidade que têm de trabalhar na Umbanda com um local para autopromoção ou uma justificativa para validação de seus egos. Como costumo dizer, tudo dentro de nossa religião tem um significado, portanto deixar que o Caboclo fale algo em sua língua ancestral é válido, porém isso não pode de qualquer maneira impedir sua comunicação com os assistidos que, via de regra, precisam justamente de uma palavra de carinho, sabedoria e consolo, mas sem o entendimento da linguagem não há como isso acontecer.

Devemos também entender que a Umbanda é uma religião de Caboclo, então não há mal algum em estudarmos a língua de nossos ancestrais para entrarmos em comunhão com o Guia, não só uma comunhão linguística, mas uma comunhão de respeito entre as duas partes. Aprender a língua dos índios é aprender a ter respeito pela história de quem lavou de sangue as terras do nosso país e, mesmo assim, aceitou levantar a bandeira de nossa amada religião.

Oreru orembo'e katu ne'amba roupitiy'i aguâ.
Nosso Pai ensina como chegar a sua morada

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